A alma de um palácio de 1800
Um dos últimos palácios habitados em Lisboa acaba de ser colocado no mercado imobiliário, atraindo as atenções do mercado e, sobretudo, dos mais atentos aos assuntos olissiponenses.
O interesse reside no invulgar interior do imóvel, que localizado no centro de Lisboa ostenta uma fachada com cantarias trabalhadas, molduras de ferro forjado nas varandas e portas entalhadas.
Ao entrar deparamo-nos com o átrio com colunas e chão em mármore, tectos profusamente trabalhados em estuque (com motivos vegetalistas) na imponente escadaria e nos amplos salões do andar-nobre, soalhos em pinho de riga com diversos padrões, azulejos de Baptistini, e toda uma ambiência romântica.
O palacete edificado em 1860, desconhecendo-se o autor do projecto, é considerada um exemplar relevante da variante portuguesa do classicismo imperial brasileiro, segundo defende Alberto Sousa, num livro editado 2007.
O interior, que será desmontado aquando da venda, é quase uma casa-museu, dado refletir uma longa memória familiar, bem como a vivência quotidiana e o gosto pessoal dos séculos XVIII ao XXI.
O mobiliário português, as porcelanas da Companhia das Índias e de Cantão, as pratas nacionais, os têxteis orientais, as pinturas de grande expressividade, dão-lhe um cunho pouco usual entre nós.
No núcleo das pinturas salienta-se uma expressiva galeria de retratos de família desde o século XVI aos nossos dias, destacando-se um Retrato de António Brum, obra quinhentista, 13º avó dos donos da casa.
As restantes obras pictóricas são exclusivamente portuguesas, desde obras oitocentistas Ribeiro Cristino e Foschini, o naturalismo de 1900 de Luís Bernardo de Athayde e Eduarda Lapa, o modernismo de Domingos Rebello, e a contemporaneidade de Graça Morais, Gracinda Candeias, Noronha da Costa, Nuno Siqueira, Paulo Ossião, Manuela Pinheiro, além de esculturas de Teixeira Lopes e Francisco Xavier Costa.
Interior requintado
No interior do palácio, composto por rés-do-chão, um andar nobre e mansarda, encontra-se bem preservado, ao contrário da maioria dos imóveis da época que foram muito modificados ou simplesmente demolidos.
A edificação detinha originalmente uma zona de serviços e jardim, mas foi ligeiramente encurtada em 1980, dando origem a duas moradias. Totaliza uma área de 680 metros.
Nos últimos tempos têm-se assistido, como se sabe, a alterações profundas dos bens das grandes famílias portuguesas, levando os descendentes a desfazerem-se do património herdado.
O mercado imobiliário viu-se, como consequência, ultimamente animado com vendas de inúmeras casas de valor histórico, como as dos Palmela (diversas quintas no distrito de Setúbal, e a Casa da Conceição Velha, em Cascais, ainda no mercado), dos Mendia (caso do seu palácio de Lisboa), dos Palha (a casa de Santa Apolónia, Lisboa), dos Lafões (o Palácio do Grilo, Marvila), dos Cunha (palácio em Xabregas), dos Monte Real (palacete da Lapa), dos Avillez (casa do Campo Grande), dos Viscondes de São Sebastião (Sortelha), dos Aguilar (Cedovim), dos Condes de Margaride (Guimarães), entre outras. Testemunhos de séculos e gerações são assim transacionados, indo enriquecer outras famílias ou instituições.
António Brás