Colecções de Lisboa I Medeiros e Almeida

Colecções de Lisboa I Medeiros e Almeida, coleccionador cosmopolita

“Na eventualidade de aumentarem as dificuldades financeiras eu preferirei recorrer à mendicidade do que me desfazer de qualquer das peças que com tanto carinho e amor coleccionei para ao deixar ao meu país”, escreveu em 1978 António Medeiros e Almeida, referindo-se às 3000 mil obras de arte de que era ávido e cioso. Na época, a fundação que instituira em 1973 encontrava-se em risco.

Medeiros e Almeida tinha 83 anos e uma vida cheia. Como empresário ganhara milhões em negócios de automóveis (importador da Morris), fábricas de álcool, açúcar e tecidos, companhias de navegação e aéreas (o avião do filme Casablanca era duma empresa sua), entre outros empreendimentos. O capital fora, no entanto, quase todo investido em obras de arte, na aquisição de dois palacetes e de um vasto terreno no centro de Lisboa. Restava-lhe uma fábrica de alcool nos Açores, na época em crise. O nível de vida alterou-se. A limousine Austin Princess foi substituida por um mini, o vasto pessoal dispensado, as aquisições de obras de arte terminam, as constantes festas e jantares extinguem-se.

A preservação da colecção, exposta numa moradia oitocentista e num anexo construido nos anos 70, era uma grande preocupação sua.  O espólio abrange mobiliário português, francês e inglês dos séculos XVII, XVIII e XIX, pinturas de Gossaert, Van Goyen, Moro, Ribera, Tiepolo, Boucher, Delacroix, bem como das escolas de Rembrandt e Rubens, terracotas chinesas e porcelanas da Companhia das Índias, tapeçarias francesas e flamengas, uma delas desenhada por Rafael, uma baixela inglesa oitocentista (encomendada pelo duque de Richmond, antepassados de Diana, princesa de Gales), jóias portuguesas, apainelados Luís XIV e XV, tectos e azulejos portugueses. O núcleo de relógios é considerado dos mais valiosos a nível mundial. É, aliás, o mais original da Europa. Constituído por 600 exemplares, datados de 1600 a 1968, tendo alguns pertencido a Fouquet (ministro de Luís XIV), ao Rei Jorge III de Inglaterra, à Rainha Catarina de Bragança, ao general Junot, ao Duque de Wellington, à Imperatriz Sissi da Áustria (presente de casamento, oferecido por Luís II da Baviera), ao Rei D. Pedro V e à Rainha D. Maria Pia de Portugal.

Nos anos 80 a situação financeira foi-se estabilizando, mas Medeiros e Almeida continuará a ir a pé diariamente ao escritório na Rua Braamcamp, administrando a Sinaga, empresa de álcool sediada em São Miguel.

O coleccionador morre a 19 de Fevereiros de 1986, aos 91 anos. A sua casa-museu é aberta ao público em 2001 sendo considerada uma “segunda Gulbenkian”.

Marquês da Foz, coleccionador requintado

Em 1901, Tristão Guedes de Queiroz, I Marquês da Foz, dono do palácio como mesmo nome em Lisboa, é obrigada por dificuldades económicas a leiloar a sua colecção de arte – considerada a mais valiosa do Pais. Nela destacavam-se obras de Rembrandt, Rubens, Cranach, Velásquez, Da Vinci, Tiepolo, Van Loo, Boch, Lebrun, Ribera, porcelana da China, Saxe, Sèvres, Capo-di-Monti e de Chelsea, tapeçarias de Beauvais e de Bruxelas e mobiliário francês Luís XV e XVI.

O Palácio Foz, considerado o mais sumptuoso de Lisboa, havia sido reconstruido pelo marquês, com projecto do arquitecto José António Gaspar, e decorado com apainelados de estilo Luís XIV, XV e XVI da autoria de Leandro Braga, pinturas de Manini, Columbano e Malhoa, esculturas de Simões de Almeida,  azulejos setecentistas e bronzes da escada da célebre casa Moreau de Paris.

Da célebre colecção Foz encontram-se entre nós um canapé assinado por Blanchard (outrora do Palácio de Versailhes);  a estátua “Eneias”, da Génova do século XVII, e uma terrina setecentista do ourives Charles Spire (encomendada dos condes de Aveiras), que se expõem no Museu Gulbenkian; uma miniatura representando “D. João V tomando chocolate em casa do duque de Lafões” de A. Castrito encontra-se no Museu de Arte Antiga; uma pintura religiosa de Jan Cossart no Museu Medeiros e Almeida, e um relógio de mesa em bronze de estilo Luís XVI na Casa-Museu Anastácio Gonçalves.

O marquês foi um bem-sucedido empresário, administrador da Companhia Nacional de Caminhos de Ferro e um dos concessionários da linha férrea da Beira-Baixa e do ramal da Foz Tua a Mirandela.

Os negócios, porém, decairam, a decoração e as festas no Palácio Foz, por vezes com 3 mil convidados, acabaram por ser o golpe final, o próprio imóvel é leiloado em 1902.

O marquês da Foz, quase arruinado, retira-se para a Quinta de Santo António, em Torres Novas, mandada reconstruir no início do século XX, onde desaparece em 1917,. 

Tristão Guedes dedica-se a escrever “A Baixela Germain da Antiga corte Portuguesa”, fruto de um longo estudo, editado em 1926 pelo grupo de amigos do Museu de Arte Antiga.

 Conde de Daupias, coleccionador de horizontes

Ramalho Ortigão considerou a colecção Daupias uma das “primeiras do mundo”, tal a qualidade e diversidade pictórica; o jornal “Times” aconselhava os estrangeiros a visitarem a sua galeria de arte.

Pedro Eugénio Daupias, I visconde e conde Daupias, era um industrial de tecidos que reuniu uma impressionante colecção de pintura adquirida em Paris. No seu palácio no Calvário, localizado nas proximidades da fábrica, mandara executar longas galerias com iluminação zenital para expor a sua colecção constituida centenas de 400 pinturas. Os convidados para as suas festas, geralmente concertos e bailes, ficavam deslumbrados com a colecção e a música.

Na pintura antiga sobressaíam obras de Salvador Rosa, Rembrandt, Vélasquez, Van Dyck, Mengs, Nattier, Hubert Robert, Largillére, Fragonard, Watteau, Tiepolo, Coupyel, Wouvermans.

A pintura contemporânea  estava representada por telas de Boldini, Madrazo, Detaille, Coupil, Troyor e Villegas Millet, Courbet, Corot, Daubigny e Dupré. A modernidade das colecções, que em boa verdade apresentavam entre nós o realismo parisiense da escola de Barbizon, era uma lufada de ar fresco no tradicional conservadorismo português.

Infelizmente os problemas económicos, agravados pela morte da mulher e consequentes partilhas, levaram à venda em 1892 em Paris da maioria das pinturas. Foi uma venda memorável pela qualidade do acervo e verbas atingidas – um milhão de francos, excepcional fortuna à época.

Nos anos seguintes, a situação financeira agrava-se.  O aristocrata, conhecido pela sua versatilidade, cultura e protecção aos operários, é obrigado a vender em 1894, na cidade de Lisboa, mais pinturas e objectos de arte. A Fábrica do Calvário caminha para o fim arrastando a outrora fortuna Daupias para um irremedíavel declínio.

Pedro Eugénio Daupias encontra-se numa situação difícil e complexa ao desaparecer em 1900..

Restam entre nós uma impressionante tela retratando “Maria de Medicis” de Pourbus no Museu do Caramulo (adquirida sucessivamente pela família Burnay e por Ricardo Espirito Santo); um retrato setecentista de autor anónimo espanhol no Museu Grão Vasco, e um contador flamengo seiscentista com pinturas no Museu de Arte Antiga.

Grandes museus estrangeiros preservam obras da colecção Daupiaz. O “Retrato de Diderot” de Fragonard expõe-se no Museu do Louvre, e o “São João Baptista” de Jusepe Leoni é um dos tesouros da Galeria Nacional do Canadã.

O coleccionador faraónico

O português que mais colecções constituiu e diversificou foi Ernesto de Vilhena, oficial da armada e presidente da Companhia dos Diamantes de Angola. Nasceu em Ferreira do Alentejo em 5 de Junho de 1876 e desapareceu em Lisboa a 14 de Fevereiro de 1967.

Desde 1922 começou a coleccionar vastissimos e riquíssimos espólios. O seu acervo artístico compunha-se de 60. 515 peças – artes decorativas, plásticas e biblioteca –  sendo totalmente preservado na no seu palacete da Rua de São Bento, em Lisboa.

Ao falecer deixou uma enorme colecção aos herdeiros, mas pouco capital. A família realizou os primeiros leilões em 1969 e adquiriu, com esse capital, um prédio na Avenida de Roma.

A maioria das esculturas que deixou, 1503 peças nacionais e de Malines dos séculos XIII a XVIII, encontram-se actualmente, e por doação da mulher e do filho, no Museu Nacional de Arte Antiga. Esse acervo foi conseguido de norte a sul de Portugal através de viajens e de inúmeros intermediários.

A biblioteca dos descobrimentos (2574 volumes) foi vendida em 1969 a Jorge de Brito por 26 mil contos. O banqueiro e os herdeiros dispersaram-na em leilões realizados na Alemanha em 1989, e em Portugal entre 2008 e 2009.

A colecção de arte que Ernesto Vilhena deixou acabou por ser leiloada entre 1969 e 2001. A biblioteca corrente  foi transaccionada entre 1998 e 1999. O Vitória and Albert Museum adquiriu privadamente a quase totalidade das colchas de Castelo Branco e as mais raras esculturas indo-portuguesas em marfiim. As mais raras porcelanas orientais foram leiloadas em Londres.

Na actualidade, revela-se prestigiante aparecrem peças da colecção Vilhena no mercado, tornou-se uma colecção mítica e faraónica.

António Brás

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