Teixeira de Pascoaes I O penitente

Teixeira de Pascoaes I O penitente

Há 70 morria em Amarante, perto da casa onde nascera, um dos maiores vultos da literatura e do pensamento  portugueses. Através de várias homenagens, ele regressa agora à nossa actualidade e à nossa veneração

Teixeira de Pascoaes tornou-se uma referência de excepcionalidade na cultura ibérica do século XX. 

Considerado um visionário (Fernando Pessoa dizia-o seu mestre), ele seria o primeiro a perceber, e a enunciar, que a característica fundadora da nossa grande literatura era a profecia, não a historiografia; que o saudosismo que nos marca desde sempre (para sempre ?) não significa desistência mas resistência. 

Os livros que deixou não pararam, aliás, de iluminar seguidores, como os de poesia (Marânus, por exemplo), os de novelas (O Empecido) e, sobretudo, os de biografias (São Paulo e Poetas Lusitanos). 

Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, o seu nome completo, nasceu em 1877, no seio de uma família nobre. Licenciado em Direito por Coimbra, abandona a advocacia para tornar-se, segundo as suas palavras, “apenas poeta”. Fixa-se, a partir daí, no Solar de Gatão, que herdou dos pais. Não se deixando isolar, desenvolve uma importante intervenção cultural através da imprensa, conferências e tomadas de posição. 

Caixa de biscoitos

Pela sua casa passam escritores e artistas de grande projecção, como Murilo Mendes, Unamuno, Brandão, Régio, Eugénio de Andrade, António Duarte (que lhe faz a máscara mortuária), Villaret e Cesariny. 

A 14 de Dezembro de 1952 expira suavemente na ala que ocupava no solar, entre livros, quadros e móveis por si desenhados. Os sobrinhos, que herdaram a propriedade (João e Maria Amélia de Vasconcelos), mantiveram-lhe os aposentos intactos, transformados numa espécie de santuário.

Durante décadas, os manuscritos que deixou, bem como a correspondência (de, entre outros, Lorca, Unamuno, Cortesão), estiveram guardados numa caixa de biscoito em folha. Nos anos 90 foram inventariados e microfilmados por técnicos da Biblioteca Nacional de Lisboa. O edifício viu-se, por sua vez, restaurado e aberto ao turismo de habitação, tornando-se um ex-libris local. Encontram-se, neste momento, em estudo projectos para o transformar em fundação cultural, embora o espólio do poeta tenha sido vendido recentemente ao município de Amarante.

Metáfora orquestral

Nos últimos  anos Teixeira de Pascoaes tem vindo a suscitar um verdadeiro culto, graças às reedições da Assírio & Alvim que assumiu um papel decisivo na divulgação da sua obra. Criada na quietude (inquietude) da serra do Marão, ela tornou-se uma metáfora orquestral da região, do País, do universo, do mistério de que o escritor foi grito e sussurro, profeta e sacerdote, celebrante e penitente – Penitente intitularia (na biografia com que o cumpliciou) outro génio transfigurador da zona: Camilo Castelo Branco.

Com o passar do tempo, Pascoaes tornou-se de uma modernidade, uma genialidade, uma portugalidade, uma universalidade ímpares.

António Brás

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