Educação escolar I O rei vai nu
Recentemente foram divulgados os resultados das provas de aferição realizadas em 2023 para os alunos do 2º 5º e 8º ano em domínios diversos. Os resultados são preocupantes e mais se voluma a preocupação se pensarmos no formato em que elas são realizadas já que não apelam a respostas descritivas ou abertas, exigentes do ponto de vista de redacção. A acompanhar os resultados logo surgiram uma série de justificações que ilibam a falta de empenho dos alunos, a flagrante queda de patamares de exigência por parte das escolas, fruto das pressões ministeriais, é bom dizê-lo, o paradigma adoptado que se baseia no mote “transição de ano, sempre!”. Por isso, houve a preocupação em apontar as razões do insucesso para o facto de ter sido pela primeira vez adoptada a resolução da prova digitalmente e também, como não podia deixar de ser, os efeitos da pandemia. A Covid continua a dar imenso jeito como bode expiatório.
Mas não, a culpa dos maus resultados não é do digital nem da Covid que fez encerrar escolas mas não queimou livros nem prendeu os braços e tapou os olhos para que nenhuma criança ou adolescente pudesse ler e escrever. Esses foram factores menores que terão dado o seu contributo, mas de forma escassa.
Em História têm ribombado alarmes de espanto e estados de alma em sobressalto perante o facto de apenas 0,7% dos estudantes do 5º ano terem conseguido responder às questões relativas à localização e quadro natural da Península Ibérica. Sejamos honestos: há muito tempo que os alunos têm evidenciado um grau de iliteracia transversal aos vários domínios do conhecimento. Há muito que até o seu próprio nome têm dificuldade em escrever no 2º ciclo.
A ideia das provas de aferição é a de tentar “tomar o pulso” da Escola e perceber até que ponto as aprendizagens estão a ter êxito para que se possa avaliar a necessidade de ajustes e sejam tomadas decisões. Acontece que estes resultados referem-se a provas aplicadas há 6 meses e a sua publicação tardia compromete irremediavelmente qualquer plano para inverter a situação.
Houve de forma global um decréscimo nas aprendizagens nos 3 anos de escolaridade que foram alvo de avaliação (2º; 5º e 8º), mas é importante lembrar que estas provas nem sequer envolvem grandes exigências ao nível do discurso escrito caso contrário seria mais dramática a situação.
Como é que se chega a este ponto? É um facto que não se altera o que não se reconhece como errado e, neste caso, a persistência em fundamentos que não são os determinantes, inviabiliza uma mudança de direção, uma inversão desta hecatombe.
O recurso sistemático a uma série de conceitos pedagógicos fofos e desajustados da realidade e diagnósticos de transtornos de aprendizagem e comportamentais atribuídos de uma forma muito questionável, tem ajudado a uma educação escolar forjada em equívocos e fantasias.
Actualmente os alunos encaram com normalidade não estudarem para os testes, não cumprirem as tarefas, não irem munidos do material para as aulas, não responderem a uma série de questões nas fichas de avaliação, chegarem atrasados. E tudo va sendo cada vez mais aceite como normal e sinal dos tempos. Quando surgem os desares a culpa é sempre do professor que não aplicou as devidas adaptações nos processos de avaliação. O insucesso é uma palavra proibida e as folhas de Exel estão aí para ajudar .
A questão é que se qualquer tipo de comportamento é aceite, se a negligência escolar por parte do aluno é abordada com complacência numa estratégia de desculpabilização com pais a confrontar a escola e a escola a ceder às pressões, que geração estamos a preparar? Que futuro? Que grau de resiliência os futuros adultos terão alcançado? Que musculatura emocional se desenvolve se as crianças e adolescentes não são confrontadas com a realidade nem lhes são exigidas responsabilidades?
A Escola como lugar de aquisição de conhecimento, aprendizagens e desenvolvimento de competências não tem cumprido bem o seu papel porque a narrativa de especialistas em educação tem sustentado o primado do “aprender a brincar” e de uma escola como lugar de plena felicidade e diversão. Não, a escola não tem de ser um lugar divertido. É um lugar de trabalho, esforço, cansaço, resistência. Um lugar onde nos deparamos com momentos e fases de frustração e desalento, outros de satisfação e gratificação. E é assim que a escola assume o seu papel amplo de educação porque a caminhada da vida tem de tudo e muito mais será composta de momentos de cansaço do que de ócio. Na procura incessante em saber mais encontramos, certamente momentos de diversão, mas não devemos tornar isso uma bandeira e uma meta essencial.
A Educação escolar vai mal e não é apenas em Portugal. Perdem-se competências, plasticidade de trabalho, capacidade em aprender e manter elevado grau de esforço. Perde-se espírito critico, combativo por causas nobres, criativo e assertivo.
A Educação escolar vai mal, mas poucos o dizem e quando o fazem é em sussurro como súbditos de um rei que vai nu.
Paula Timóteo