A responsabilidade que Abril nos exige

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Sophia de Mello Breyner Andresen, 1974

Este ano celebrou-se o 50º aniversário do início de uma revolução que mudaria o nosso país. Uma revolução estudada nos meios académicos pela sua singularidade mostrando que Portugal, à semelhança do que já acontecera com o pioneirismo da expansão e da abolição da pena de morte, é um pequeno país que consegue ser enorme nas suas realizações.


Apesar do muito que de Abril falta cumprir, Portugal de hoje distanciou-se de forma fulgurante do tempo em que era o país da Europa onde mais crianças morriam com menos de um ano (em 2022, o país ocupava o top dez dos países com menor taxa de mortalidade infantil); que, em 1970, um em cada quatro portugueses (25,6%) era analfabeto (em 2021, a taxa de analfabetismo era de 3,1%); ou que, em 1970, 68% das casas não tinham duche ou banho, 53% não tinham água canalizada, e 42% não tinham instalações sanitárias, números que se inverteram quase totalmente desde então (a partir de dados da
Pordata 2024).

Mas a democracia conquistada em 74 não é um dado adquirido. Precisa de ser alimentada e nutrida com a participação dos cidadãos, uma participação responsável, fundada em conhecimento e capacidade de reflexão crítica. A Educação das crianças e jovens não pode descurar esta vertente e sendo a modelagem um forte gatilho de construção de personalidades é imperioso que os bons exemplos surjam, em primeira instância, em casa. O que as crianças e jovens ouvem e testemunham nos seus pais e, num núcleo mais abrangente, na família, entre amigos e nos espaços informais que frequentam, é determinante e por isso as escolhas são importantes e não devem ser encaradas com leviandade sejam elas televisivas, temas de conversa às refeições, programas lúdicos, leituras. A participação lúcida da família na sociedade, seja através da integração numa comissão de moradores, num sindicato, participação em reuniões autárquicas, cumprimento do voto ou envolvimento na vida da escola, são igualmente exemplos significativos, que devem ser vivenciados com seriedade e que espelham um propósito edificante na formação do indivíduo que existe em cada criança e adolescente.


E tudo é relevante, seja o que as crianças ouvem e testemunham em casa, seja o que ouvem e testemunham de personalidades públicas com impacto social como, são disso exemplo, os dirigentes desportivos. Somos a soma do que ouvimos, lemos e vemos e um país só se constrói de forma justa, equilibrada e na senda da igualdade e no respeito pelos direitos humanos se estiver atento aos sinais, se não se distrair e perder de vista o propósito que Abril nos exige.


A liberdade de expressão conquistada com a revolução de Abril é um conceito que se interliga no da democracia, cuja etimologia nos remete para a Grécia Antiga com a palavra dēmokratía ou “governo do povo” (demos ou “povo” e kratos ou “poder”) no século V a.C. que identificava os sistemas políticos existentes nas cidades-estado, em especial em Atenas. A liberdade de expressão é essencial a uma vida cívica e participativa, mas ela traz consigo a responsabilidade acrescida da palavra fundamentada, respeitadora do outro, construtiva, inspirada e inspiradora, criadora de pensamento novo, plena de
sentido e eticidade.


Quando se pergunta a um jovem estudante o que representou o 25 de Abril de 1974, invariavelmente, surge a palavra Liberdade seguida de um sorriso amplo sem talvez ter a noção precisa do que essa liberdade significa, do que de facto
estaremos a falar. Um país que vive em democracia é um país que precisa de cidadãos informados, conscientes do seu papel no mundo, na vida deles e na dos outros, a tal fraternidade de que a Revolução Francesa foi bandeira.


E se a família é o primeiro patamar, responsável pela educação primária que forja cada indivíduo marcando de forma mais ou menos indelével o seu carácter, compete à escola fornecer as ferramentas do conhecimento, as oficinas do pensamento crítico para que a voz dos seus alunos se construa com elevação e grandeza.

No dia 25 de Abril de 2024, a Avenida da Liberdade encheu-se de palavras e festa, de cor e criatividade. Um momento de participação cívica como raras vezes se assistiu com muitos jovens a integrar um desfile que foi imenso o que nos permite pensar que apesar de alguns sinais preocupantes há esperança numa sociedade menos alheia ao seu destino, menos egoísta e mais informada. Os desafios são enormes porque hoje, talvez mais que nunca é necessário competências analíticas para distinguir o insidioso do verdadeiro, o manipulador do honesto. O domínio da palavra escrita e falada e a assunção da responsabilidade enorme que Abril nos delegou, quando nos colocou nas mãos o destino do país, são os pilares do presente e de um futuro que se alicerça em cada momento e em cada acto nosso.


Sejamos dignos da Democracia e da Liberdade que Abril nos trouxe!

Ana Paula Timóteo

Paula Timóteo

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