Fundação Medeiros e Almeida
Um livro recentemente publicado abre-nos as portas para o extraordinário acervo da Casa-Museu Medeiros e Almeida. Nome de referência no mundo da banca (Totta @ Açores), no comércio (importação de automóveis), na indústria (fábricas de álcool, açúcar e tabaco), nos transportes (Companhia Aérea Portuguesa e Sata) , na hotelaria (Hotel Ritz) e na comunicação social (Correio dos Açores), António Medeiros e Almeida revelou desde muito novo um grande interesse interesse pela arte.
O empresário frequentou os grandes leilões internacionais, mas também era presença assídua nos mais conceituados leiloeiros e antiquários portugueses.
“Um dia vendi-lhe, de uma só vez, dois serviços da Companhia das Índias, quatro estátuas italianas, um lustre e duas cómodas”, evocou-nos o leiloeiro Alexandre Fernandes, proprietário da Dinastia.
O resultado foi uma enorme colecção de arte constituída por 8 mil obras, hoje exposta na Casa-Museu Medeiros e Almeida.
A sede da fundação é um palacete oitocentista, ampliado em 1970, onde o benemérito viveu. Ao longo de 28 divisões, revestidas a mármore, parquets, apainelados, azulejos e tectos de carvalho, podemos comtemplar obras desde 206 a.C. ao século XX. As peças encontram-se dispostas com invulgar meticulosidade e bom gosto.
Carinho de criança
A casa-museu abriu ao público em 2001, após obras orçadas em 500 mil euros, que consistiram na criação de zonas de apoio, em sistemas de segurança e na montagem da galeria de terracotas e porcelanas da China.
O acervo encontra-se exposto em dois pisos do imóvel: no primeiro encontra-se a colecção de relógios considerada das mais valiosas do mundo. É, aliás, a mais original da Europa. Constituem-na 600 exemplares, datados de 1600 a 1968, tendo algunspertencido a Fouquet, ministro de Luís XIV, ao general Junot, ao Duque de Wellington, a Sissi da Áustria, a D. Pedro V e a D. Maria Pia de Sáboia. Seguem-se-lhe a sala que guarda terracotas e porcelanas chinesas dos últimos 20 séculos, e a capela, cujo altar barroca é proveniente do Palácio Burnay, onde destacamos alabastros medievais ingleses, paramentos italianos e um púlpito indo-português.
No átrio do chamado anexo, estaciona um curioso carrinho de criança, preparado para ser puxado por um pónei ou ovelha e que foi do Marquês do Douro, filho do Duque de Wellington.
O andar principal foi outrora palco de grandes recepções, como as oferecidas aos príncipes do Mónaco e ao embaixador inglês Lord Camphell.
“Tratava-se de um dos mais requintados e luxuosos salões de Lisboa”, escreveu a escritora Maria da Graça de Athayde, amiga dos donos da casa.
Antepassados de Diana
Os interiores encontram-se mobilados como no tempo em que eram habitados. Na sala de jantar expõem-se três baixelas, duas em porcelana da China, outrora dos Condes de São Martinho e de Pombeiro, e uma em prata de Paul Storr encomendada pelos Duques de Richmond, antepassados de Diana, princesa de Gales. Trata-se da mais completa baixela inglesa existente em Portugal, a outra dos Duques de Palmela foi dispersa por partilhas e vendas nas últimas décadas.
Na antiga copa, sobressaem um serviço de chá de Firmo da Costa que acompanhou Napoleão no seu exílio na ilha de Santa Helena. O núcleo de pratas é, no entanto, dominado pela Taça Aldobrandini, mandada executar em 1570. Trata-se de uma das obras mais importantes da ourivesaria europeia quinhentista.
Na Sala do Lago, revestida com azulejaria portuguesa de 1700, representando os continentes e as estações do ano, alinham-se esculturas, uma delas de Rafaello Monti. Nas vitrines vêem-se caixas de rapé, algumas utilizadas por Francisco José da Áustria, D. Maria II e pelo irmão de Nicolau II da Rússia, e conjuntos de jóias portuguesas dos séculos XVII ao XX.
Herdade completa
No mobiliário, realçam-se os de origem francesa, caso de uma cómoda Luís XV assinada pelo ebanista Roussel, e que, em 1947, um antiquário português conseguiu adquirir e trazer para o nosso país. O Diário Popular salientava, na altura, que o móvel valia “o preço duma herdade completa com vacas e tudo”.
A colecção incorpora, ainda, conjunto de canapés e cadeiras Luís XVI estampilhadas por Lelarge, e um par de cómodas Luís XV do marceneiro Criaerd.
O núcleo pictórico, apesar de não ser vasto, integra óleos de Van Goyen, Moro, Ribera, Brueghel, Tiépolo, Boucher, Pillement e Delacroix, bem como da escola de Rembrandt e Rubens.
De origem nacional, destacam-se obras de Frei Carlos, Veloso Salgado, Henrique Medina, João Vaz, Carlos Botelho, e Jorge Barradas, além de uma papeleira D. José, considerado um dos melhores móveis da nossa marcenaria.
Carpetes orientais cobrem o chão, sendo algumas paredes revestidas a tapeçarias de Beauvais e da Flandres. Uma delas, datada de 1520, representa “Cristo a caminho da cruz”, sendo baseada numa pintura de Rafael pertença do Museu do Prado. Esta obra, que faz par com outra existente no Vaticano, tem integrado diversas exposições internacionais.
A Fundação Medeiros e Almeida afirma-se cada vez mais no panorama dos pequenos grandes museus do mundo, e um dos melhores 10 museus portugueses, pela excepcionalidade do espólio que guarda.
Teresa Vilaça
A directora da Casa-Museu, Teresa Vilaça, reformou-se após mais de 30 anos de intenso e marcante trabalho.
“Três anos, após a morte de António Medeiros e Almeida, ocorrida em 1986, aos 91 anos, iniciaram-se os trabalhos de inventariação e abertura da casa ao público”, revelou-nos Teresa Vilaça.
“A administração convidou Simonetta Luz Afonso para os dirigir, mas ela não pode aceitar. Então, vim eu e mais duas pessoas do Palácio de Queluz”.
A casa-museu foi inaugurada em 2001, e nos anos seguintes abriu a zona privada composta por sala de estar, escritório e quarto. Estas divisões exemplificam osinteriores da alta burguesia da primeira metade do século XX. Numa sala especial revelou-se, por sua vez, parte da colecção de 300 leques dos séculos XVIII ao XX.
O estudo exaustivo e a organização de mostras temáticas do acervo foi algo marcante nas últimas décadas.
Teresa Vilaça abriu ainda a instituição aos novos criadores, sendo inauguradas largas dezenas de exposições de pintura, vídeo, fotografia, instalação, etc.
A casa-museu organizou ainda mostras de outras colecções privadas, de brinquedos, de jóias, etc
As visitas guiadas tornaram-se, por outro lado, de grande imaginação.
Os lançamentos de livros foram outra actividade de relevo.
Paralelamente criaram-se novas estruturas, caso de um atraente site, uma imaginativa loja e uma agradável cafetaria.
A casa-museu está assente numa pequena equipa e nos oscilantes rendimentos provenientes de um edifício de escritórios.
António Brás