Aprender a Ver

Aprender a Ver

Quando falamos de Educação ocorre-nos de imediato a ideia de dois mundos: a família e a escola. Em traços muito gerais, podemos dizer que da primeira espera-se a construção de indivíduos nas suas dimensões sociais e morais. À família compete dotar o seu educando de ferramentas comportamentais que lhe permitam uma integração adequada no mundo, de acordo com códigos éticos universais e valores culturais do meio em que se insere. Da escola, exige-se a formação académica, o desenvolvimento de competências técnicas, científicas e de integração num colectivo de trabalho. Infelizmente, cada vez mais a educação de uma conduta social básica tem tomado protagonismo no espaço escolar em detrimento do académico. Mas há uma vertente que é transversal aos dois universos: o estímulo intelectual capaz de plantar na alma de cada criança o saber olhar de forma atenta e curiosa forjando uma atitude cuidadosa embora audaz, criativa e honesta. Porque o contexto em que uma criança cresce pode promover, retardar ou mesmo impedir o desenvolvimento intelectual, os gatilhos que se accionam na primeira infância devem ser ponderados tendo presente que os tempos actuais colocam-nos desafios tremendos.

Lamentavelmente, há componentes na edificação humana que têm sido descurados quer na família quer na escola. Falta de tempo é, por norma, a razão apontada, mas as erradas agendas familiares e escolares marcadas por uma gestão do tempo desastrosa e pela focagem distorcida do que é verdadeiramente importante, serão de facto as razões principais para uma
ausência de vivências enriquecedoras que permitam a Educação da Observação para um “olhar que vê”. Actualmente, crianças jovens e menos jovens são assolados e assaltados com um esmagador tsumani de estímulos visuais e auditivos, numa amálgama precipitada de informação, desinformação, manipulação e assédio. Por isso, crianças e jovens confrontam-se com uma necessidade premente de aprendizagem a descodificar e filtrar o que lhes é oferecido numa cadência alucinante. Criar uma visão astuta e compreensiva é a garantia da sobrevivência e da individualidade. Nessa educação do “Ver” a leitura é uma plataforma determinante e a arte assume um papel essencial. A arte como espelho, a arte como linguagem e comunicação, despoletadora de controvérsia, debate e construção de pensamento. Porque Ver não se resume a olhar. Nesse instante sem cronómetro, são mobilizadas competências e factores condicionadores: sentimentos e desejos, mas também conhecimento adquirido e capacidade de somar caminhos ao caminho que nos é mostrado, percepcionar alternativas, entendimentos inovadores. Ver para além do que nos é revelado permite-nos alcançar a
realidade verdadeira.

“A vista chega antes das palavras” como bem afirma Jonh Berger no seu livro “Modos de ver” até porque é a visão que nos situa no espaço que nos rodeia, próximo ou alargado, e é através dela que apreendemos esse mundo que nos é dado a ver. Mas aquilo que sabemos bem como os nossos sentimentos, interferem na forma como vemos e entendemos o que nos é mostrado e por isso os nossos olhos veem o que só eles observam apesar de outros, diferentes de nós, olharem o mesmo objecto ou a mesma imagem. No acto de ver está assim inerente o acto de nos relacionarmos connosco próprios sendo por isso um evento individual, mas também nos permite estabelecer pontes com os outros tornando-se também desta forma num processo de construção social.


Num mundo onde os caminhos da informação e comunicação social estão dominados pelos recursos digitais e pela rapidez alucinante com que tudo surge e tudo muda, importa investir na educação digital, certamente, mas devemos começar pela educação do questionamento pertinente apelando a um abrandamento necessário ao pensamento estruturado. Devemos, pois, apostar no “parar para olhar, olhar para pensar, pensar para entender, entender para construir”.


Platão, filósofo ateniense, já afirmava que a humanidade vivia no mundo do irreal onde tudo o que é visto é somente uma sombra imperfeita de uma realidade mais perfeita, a autêntica realidade. A alegoria da caverna é sobejamente conhecida, mas talvez não exactamente compreendida nos dias de hoje onde, de acordo com a análise feita por José Saramago e corroborada por tantos de nós, estamos efectivamente a viver na Caverna de Platão porque “as imagens que nos mostram da realidade, de alguma maneira substituíram a própria realidade”. A anestesia e um certo autismo parece imperarem de forma preocupante. Nas ruas e transportes públicos, nos espaços informas e formais, os pescoços dobram-se sobre o objecto que seguram nas mãos. Fazendo scrol entre os diversos pequenos vídeos ou teclando curtas mensagens, as pessoas não olham o que as rodeia, não leem, não escrevem nem falam de forma completa e correcta.


E quando os adultos se comportam desta forma, o que esperar dos mais novos? Quando se pede a um aluno que descreva uma imagem ou acontecimento, grade parte das vezes ele remete-se ao silêncio ou embrulha-se num discurso confuso e anárquico evidenciando um tremendo esforço e angústia porque não treinou a competência da oralidade e do pensamento a partir do que é observado e não sabe o que dizer nem como o fazer.


O mundo audiovisual, a que se somou o digital/virtual, massificou a manipulação e alienou jovens que se tornaram incapazes de uma percepção realista da vida. Tal como na caverna de Platão, são sombras, e sombras ruidosas, o que invadiu a vida fazendo acreditar que é verdadeiro o que na verdade não é.

                                                                                                          Paula Timóteo

Paula Timóteo

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