Amadeo de Souza-Cardoso, Sonia e Robert Delaunay I Correpondência
Alguns anos depois da grande retrospectiva de Amadeo de Souza-Cardoso no Grand Palais, o artista português volta a ser destacado numa exposição em Paris, agora no Centre Pompidou, nas galerias do museu e numa estratégia de apresentação de colecções em diálogo.
Com curadoria de Helena de Freitas, do CAM – Centro de Arte Moderna Gulbenkian, e de Angela Lampe e Sophie Goetzmann do Centre Pompidou, Amadeo de Souza-Cardoso, Sonia e Robert Delaunay – Correspondência explora a relação de cumplicidade artística entre Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918) e o casal Sonia (1885-1979) e Robert Delaunay (1885-1941), mergulhando o visitante no âmago das ligações e trocas entre estas três grandes figuras da modernidade europeia.
O Centre Pompidou tem na sua colecção obras de Sonia e Robert Delaunay que resultam de uma doação de Sonia e do seu filho Charles, em 1964, e é também detentor de uma pintura de Amadeo de Souza-Cardoso, intitulada Cavaleiros (Cavaliers), de 1913. A exposição reúne cerca de 30 obras dos três artistas: 15 trabalhos de Amadeo, cinco de Sonia e seis de Robert Delaunay.
Em parceria com a Fundação Calouste Gulbenkian em Lisboa, o Centro Pompidou apresenta uma exposição especial que explora os laços de amizade e artísticos entre Robert (1885-1941) e Sonia (1885-1979) Delaunay e Amadeo de Souza-Cardoso (1887-1918). Dividida em duas secções simétricas, a exposição apresenta as obras dos três artistas, desde os seus primórdios até ao final da Primeira Guerra Mundial, destacando as suas preocupações comuns, assim como as suas diferenças.
Amadeo de Souza-Cardoso mudou-se para Paris no final de 1906. No início, o seu estilo colorido e decorativo, influenciado pelo fauvismo, assemelha-se aos retratos pintados na mesma altura por Sonia Delaunay. Ao mesmo tempo, Souza-Cardoso e Robert Delaunay partilhavam o interesse pela arquitectura e pelas formas angulares e geométricas, pintadas com paletas monocromáticas.
No entanto, os Delaunays só conheceram o pintor português em 1911 e, a partir daí, os três artistas passaram a encontrar-se regularmente.
No início da guerra, as suas investigações seguem uma direção muito semelhante, centrando-se no estudo abstracto da luz e da cor. Os Delaunays realizaram composições baseadas na dispersão da luz solar ou da iluminação eléctrica, nas quais os contrastes de cor se espalham em círculos.
Os contrastes de cor desdobram-se em círculos. Embora visualmente muito semelhantes, as telas abstractas de Souza-Cardoso caracterizam-se por volumes mais pronunciados e pelo jogo de cores mais quentes.
Surpreendido pela eclosão da guerra quando se encontrava em Portugal por razões familiares, Souza-Cardoso não regressou a Paris. No verão de 1915, o casal Delaunay
instala-se em Vila do Conde, a norte do Porto, numa luxuosa vivenda junto ao mar. Sónia dedica-se a trabalhos de arte decorativa inspirados no artesanato local – cerâmica, bordados – que estão representados nas composições de Robert.
Da mesma forma, Souza-Cardoso afasta-se da abstração para se inspirar mais na arte e na cultura popular, nomeadamente na cerâmica e nas bonecas. Nas suas últimas obras, realizadas um ano antes da sua morte, em 1918, o artista português volta-se para as imagens da cultura visual de massas e para a técnica da colagem, que Sónia também tinha experimentado nos seus ensaios de cartazes publicitários. A sua fusão da cultura popular e urbana é muito original.
Souza-Cardoso não resistiu à epidemia de gripe espanhola em 1918. O estudo da sua relação com os Delaunays esbate a hierarquia estabelecida entre norte e sul, centro e periferia, revelando uma fusão artística e cultural que está no cerne da sua obra.
A exposição completa-se com a apresentação de vitrinas documentais, que revelam um panorama artístico mais complexo e interligado. Completam a exposição vitrinas documentais que apresentam arquivos e fotografias relativos à vida dos Delaunays em Portugal. Os projectos conjuntos desenvolvidos com Souza-Cardoso
entre os quais a Corporation nouvelle, uma tentativa falhada de reunir uma vasta rede de artistas para organizar “exposições em movimento” internacionais durante a guerra.
O ponto importante desta exposição não é apenas o conjunto de obras escolhidas, mas também a correspondência trocada, de 1913 a 1917, entre Sonia Delaunay, Robert Delaunay e Amadeo de Souza-Cardoso e a sua importância para a compreensão mais contextualizada dos trabalhos expostos.
O catálogo que acompanha a exposição inclui a reprodução, da correspondência trocada entre os artistas, pela primeira vez traduzida para português. O tom da correspondência, que aos poucos vai arrefecendo, está relacionado com as contingências da guerra e com alguns desencontros trazidos pelo acaso, mas também com a absoluta resistência de Amadeo na aceitação de um espírito de grupo e de escola. A leitura desta troca, em diálogo com as obras expostas, perspetiva novas possibilidades interpretativas, principalmente sobre o tempo em que Sonia e Robert viveram em Vila do Conde.
O catálogo analisa ainda esta relação triangular através de uma conversa (epistolar) entre Helena de Freitas e Angela Lampe, sobre o sentido estratégico e a oportunidade deste formato de exposição; um ensaio da curadora do CAM Ana Vasconcelos, que volta a abordar este tema depois do sucesso da exposição O Círculo Delaunay (CAM, 2015); um ensaio da investigadora Marta Soares que se debruça sobre a teoria do animismo na obra de Amadeo; e um texto de Sophie Goetzmann dedicado ao estudo da correspondência trocada entre estes artistas e amigos.
Theresa Beco de Lobo