Santana Castilho I A coragem de ser livre
“Eu não tenho senhores, não quero riquezas, quero a minha liberdade e poder pensar livremente”.
Era uma vez um homem de cabeleira selvagem como um leão, voz doce, mas plena de energia, um rochedo de brandura e vontade. Falava devagar porque dava importância a todas as silabas e a todas as pausas e porque tudo era significativo. Nada era dito sem ponderação e nada ficava por dizer. As palavras vinham leves, mas carregadas de pensamento e sabedoria e por isso tudo era explicado com a precisão de um diapasão e a arte de uma ode.
O homem que assim falava madrugava de olhos pousados nos apelos do seu país resgatando da indiferença o que não podia ser ignorado. Trazia na alma a bandeira da Educação e sendo um Homem sem donos, era absolutamente livre quando denunciava erros, defendia a nobreza da Escola Pública, lutava pela seriedade no Ensino, pelo respeito, pelo rigor, pela verdade. O mundo era com ele superlativo. Os seus olhos, tão inteiros de verdade e paixão, demoravam-se, cuidadosos e atentos, nas interrogações dos outros, na fúria ou no desânimo de tantos e inquietavam-se com a forma como o futuro se desenhava e por isso lembrava que o sobressalto era o motor da mudança e o inconformismo a sua alma.
Dizia ele “À medida que envelheço, os problemas que não podem ser solucionados cientificamente, mas que são fundacionais de uma visão personalista da vida, vão ocupando o meu espaço reflexivo em detrimento daqueles que resolvo com o conhecimento acumulado.”
Era uma vez um homem que sabia o valor do humanismo, do imperativo de “sermos”, da dimensão ética e moral que falta nas soluções criadas e de como o entardecer da vida nos recoloca no lugar certo da barricada. Conhecia bem, e denunciava como pernicioso, o primado do económico na agenda política “quando olho para a corrente política que procura dominar o ensino, sinto-me em sentido contrário: eles fixados nas competências que resolvem problemas (do sistema económico); eu preocupado com os modos diferentes de ver o mundo (para que cada um o entenda)”.
Era uma vez este homem de quem vos falamos, pródigo de elevação e grandeza, de lucidez e honestidade.
Santana Castilho era um cavaleiro andante de coragem nas palavras e nos actos, que manteve fiel até ao último instante na defesa de uma Educação criadora de gente capaz, de uma política educativa íntegra nos bons propósitos, capaz de oferecer aos alunos uma formação sustentada na verdade e construtora de futuro.
Dizia ele que o que “têm em comum os sistemas educativos do Japão, Coreia do Sul, Singapura, Taiwan, Hong Kong e Macau é integrarem sociedades que têm um profundo respeito pelos professores e pela sua autoridade e exigem aos alunos, na escola, rigor, trabalho e disciplina”. Valores que têm sido destruídos há décadas e por isso, recentemente fazia este apelo “Seria importante que na campanha política para a eleição de 10 de Março todos os partidos dissessem que valores estão preparados para defender, antes de a escola pública perder definitivamente o seu ancestral significado.
Para um pouco mais tarde considerar tristemente que não se esperavam reformas que colocassem no centro das políticas educativas as pessoas continuando os alunos a serem orientados por pedagogias erradas. O futuro adivinhava-se preocupante porque era a soma de muito desnorte. Quando recentemente lhe foi perguntado o que antevia que viesse a acontecer à Escola não hesitou na resposta:
“O que já está a acontecer. Crianças que terminam o ensino básico sem saber ler e escrever, sem saber fazer contas; jovens que terminam o secundário sem ter a mínima noção da história do país”.
Quem é professor sabe o quanto é verdadeira esta visão.
Era uma vez um homem, de seu nome Manuel Henrique Santana Castilho, que conjugava o pensamento e a ação numa sintonia perfeita e que trazia em cada intervenção pública uma lucidez desconcertante, galvanizadora de vontades.
Santana Castilho foi um homem em permanente busca inconformada e um tribuno eloquente que se ouvia e lia de um fôlego nas colunas dos jornais, nos livros publicados, nas entrevistas dadas. O homem que não temia a força das palavras nem adornava a mensagem em ramos de oliveira e tapetes de algodão. Talvez por isso mesmo só se manteve 9 meses num governo liderado por Pinto Balsemão.
Incansável, alertava corajosamente que “ano após ano, ministro após ministro, os problemas de fundo continuam intocáveis, sujeitos ao atavismo dos ‘pedabobos’ que influenciam a 5 de Outubro. Falando um erudito ‘eduquês’, essa corte tem imposto estereótipos pedagógicos ineficazes e eternizado tabus que vão conduzindo o país à desgraça, pela mão da permissividade e do facilitismo, únicos universos em que são competentes”.
O professor Santana Castilho morreu. O homem que trazia a Educação abraçada a si, como uma filha querida a quem nunca se larga a mão, morreu e os professores, os alunos, a Escola Pública ficaram órfãos. Portugal perdeu um dos seus heróis.
Santana Castilho, o homem de vasta cabeleira rebelde e voz imensa tornou-se memória no passado dia 29 de Maio. Tristemente, o silêncio tomou o lugar da homenagem merecida e o seu desaparecimento surgiu apenas como nota de rodapé nos telejornais.
Fica a obra, ficam as palavras ditas e escritas, fica o exemplo, o legado e a nossa obrigação de o honrarmos.
“Quando defino educação como tudo aquilo que se acrescenta à simples natureza humana, isso não se passa só na escola: tudo o que nos acontece na vida nos educa.”
Ana Paula Timóteo