Educação I Conflito e indisciplina

Educação I Conflito e indisciplina

Apesar de estarmos em época de férias há assuntos que não obedecem a calendários e talvez a melhor altura para pensarmos neles seja exactamente quando nos distanciamos fisicamente dos lugares onde residem os problemas.

Nos últimos anos tem crescido o clima de insegurança e desconforto psicológico na generalidade das escolas do país. Multiplicam-se os episódios de conflitos violentos nas escolas e relatos de indisciplina diária dentro das salas de aula, tornando-se um imperativo encontrar soluções. O preço a pagar pela inércia é demasiado penoso e grave não apenas no imediato, mas como herança deixada para o futuro.

As soluções, para que sejam de facto soluções, devem, porém, partir de uma reflexão crítica sobre a diferenciada representação que os conceitos de conflito e indisciplina podem possuir conforme os contextos e protagonistas bem como que ferramentas podemos e devemos mobilizar para ultrapassar condicionalismos comportamentais. Por isso faz todo o sentido dissecar os conceitos. Afinal do que falamos quando falamos de conflito? E o que é a indisciplina? É possível defini-los? Que significados têm para cada um dos protagonistas do processo educativo? Certamente que a manutenção das interrogações far-nos-á procurar incessantemente a melhor fórmula para saber gerir conflitos e resolver a indisciplina.

Parece consensual a ideia de que a indisciplina se traduz num fenómeno de ruptura relativamente às regras consubstanciando-se numa obstrução a um desenrolar tranquilo do processo educativo. Tendo vários níveis de gravidade, de manifestação e causas, podemos então dizer que se trata de algo multidimensional necessitando de “respostas diversificadas de intervenção, definidas em função dos problemas diagnosticados e considerando as diferentes situações e contextos” como referem os investigadores Amado e Freire. Porém, se não existem discordâncias quanto ao entendimento do que é a indisciplina já a identificação de episódios que assim podem ser referenciados como tal é menos clara porque a subjetividade, decorrente da própria definição de regras, entra necessariamente na equação. Os episódios só podem configurar situações de indisciplina se assim forem consideradas pelos envolvidos.

A este propósito também é importante distinguir o conceito de rebeldia em redor do qual se gera normalmente maior simpatia, tentando entender onde acaba aquela e começa a indisciplina vista como disruptível e boicotadora do processo de crescimento.

Quanto ao conflito há que desenhar as linhas que separam os diferentes tipos de conflito. Temos assim, por um lado, o conflito como confronto de opiniões cujo debate poderá ser enriquecedor e frutuoso e trampolim para patamares seguintes e um outro tipo de conflito, o do confronto de contornos agressivos, de oposição intolerante e que está na base de uma eventual situação de violência, seja ela física ou verbal. Nesta matéria, muito haveria a dizer nomeadamente sobre a escassez de vida democrática vivida nas escolas onde se implementam diversas estratégias condicionadoras ou neutralizadoras de debate e discussão. Entre alunos existem sérios constrangimentos na cultura de escuta, de diálogo entre pares, de saber lidar com entendimentos opostos fruto de uma série de razões a que não são alheias as novas fórmulas de relacionamento bem como a demissão parental na construção e gestão dos afetos. Neste aspecto, o papel do professor, sobretudo no 1º ciclo quando consegue estar com um único grupo todo o ano, pode ser determinante.

Já no que diz respeito ao que maioritariamente ocorre em sala de aula entre alunos e professores, não parece que se deva categorizar como conflito sendo que se trata de episódios de indisciplina para os quais se torna urgente encontrar respostas assertivas sabendo que a eficácia no cumprimento de estratégias ou normas depende da firmeza com que as mesmas são aplicadas nas diversas situações. O que significa que não pode haver lugar a cedências por exaustão além de deverem ser estabelecidas linhas de orientação coerentes entre os professores. Porém, e apesar de se poder considerar que seria melhor a concordância entre os professores não deve ser entendido como absolutamente crucial contrariando, em parte, o que defendem alguns investigadores que temem que o aluno perante tal variedade, passará a relativizar as normas como “manias do professor. Pelo contrário, pode ser encarado como uma oportunidade educativa de conviver com códigos de comportamento díspares. O importante é respeitar as regras que estão definidas e respeitar o direito que assiste aos colegas de terem aulas em ambiente favorável.

Uma das questões que carece de análise crítica é o papel que os órgãos de direção exercem neste âmbito sendo que é de facto determinante a demonstração da capacidade em agir e isso só se alcança com ações concretas, assertivas e atempadas. A inação fragiliza o professor e de forma, muitas vezes, irreversível.

A resolução dos problemas de indisciplina que se apresentam em grande crescimento, deve ser, pois, uma prioridade não apenas pelo impacto extremamente negativo na saúde emocional de professores e alunos, como pelo prejuízo causado no processo de ensino/aprendizagem. Aulas que são constantemente interrompidas, são aulas onde falha a tranquilidade surgindo um sentimento de insegurança que obstaculiza objectivamente quer o ensino quer a aprendizagem. Ninguém aprende com medo, ninguém ensina bem quando levado ao limite da tolerância e se encontra constantemente a gerir crises.

Quando aos professores é oferecida oportunidades de formação sobre gestão da indisciplina, a vertente prevenção e estratégias a aplicar são os conceitos chave, mas nem todos os casos, talvez até a maioria, podem ser catalogados como passíveis de serem evitados necessitando de uma abordagem bem mais complexa e alargada. Além de que é evidente o elevado grau de dificuldade da prevenção e resolução da indisciplina num espaço e tempo tão limitado como é uma aula que pode ir de 45’ a 90’. Por isso é imperioso o investimento em recursos humanos especializados que possam assumir este desígnio com maior eficácia na escola. Todo o processo de “escavação” do(s) episódio(s) de conflito/indisciplina para que, entendendo a causa, se possa alcançar a estratégia certa, exige uma disponibilidade que o professor, especialmente dos 2º/3º ciclos e secundário, não tem. É igualmente fundamental distinguir o 1º dos restantes ciclos considerando que quer as faixas etárias dos alunos, quer o modelo de organização curricular distinto inviabiliza um desenho estratégico similar.

O que se vive numa escola contém à partida uma carga emocional que normalmente é desvalorizada ou mesmo ignorada. Se somarmos ao que acontece em situação normal, e bastam as relações interpessoais para se entender o quadro, os eventos de profundo setresse decorrentes da indisciplina, fica desenhado um quadro de inferno.

É urgente o grito de alerta dizendo que a escola é muitas vezes um lugar desagradável, inseguro, muito perigoso até, e onde se atingem elevados níveis de exaustão. A maquilhagem da realidade com os habituais discursos destituídos de conhecimento do terreno não fará mais do que adiar e avolumar o problema. O problema não está na falta de estratégia por parte dos professores, o problema é bem mais complexo e entrelaça-se com um modelo de sociedade onde tem crescido um sentimento generalizado de impunidade alimentado por grandes equívocos educacionais. 

Paula Timóteo

Paula Timóteo

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