Os Duzentos Anos do Teatro Nacional
A exposição, “Quem és tu?” Um Teatro Nacional a olhar para o país, agora inaugurada no Museu Nacional do Teatro destaca a figura de Amélia Rey Colaço – que foi a personalidade mais marcante do teatro português do século XX.
Com uma vida é uma carreira cheias de acontecimentos exultantes uns, trágicos outros, a actriz relançou com o marido, Robles Monteiro, o grande teatro entre nós. Prestigiou, por outro lado, o papel dos actores, dos cenógrafos e dos dramaturgos que atingiram, então, um estatuto único entre nós. Grandes autores, encenadores e cenógrafos foram, com efeito, por ela revelados entre nós.
Pintores como Almada, Domingos Rebello, Eduardo Malta e Alice Rey Colaço estreiam-se como cenógrafos no Teatro Nacional.
A actriz descobre o talento de Lucien Donnat, tornando-o o cenógrafo da sua companhia durante mais de três décadas. Chega mesmo a convidá-lo para lhe decorar a casa no final dos anos 60.
Nas suas quase sete décadas de actividade cénica, Amélia Rey Colaço não parou de inovar, de engrandecer, de surpreender.
Nascida em 1898 no seio de uma família aristocrática, casou em 1920 com o actor Robles Monteiro. Da união nasce a filha Mariana Rey Monteiro. Em 1921 funda com o marido, no Teatro São Carlos, a Companhia Rey Colaço Robles Monteiro que dura 53 anos, foi a mais antiga empresa teatral da Europa. Escolhe para a sua estreia a peça Zilda de Alfredo Cortez. Obtém um dos seus maiores êxitos. Amélia impõe-se como uma grande encenadora e empresária. Os clássicos e os jovens autores nacionais sobem à cena. O seu prestígio leva o Estado a entregar-lhe o Teatro Nacional. É a consagração. Novos valores da literatura dramática afirmam-se por seu intermédio. Caso de, por exemplo, Virgínia Victorino, José Régio, Luiz Francisco Rebello, Romeu Correia, Bernardo Santareno, Miguel Franco. A inteligência com que se move nos meios políticos e intelectuais confere-lhe a confiança do regime. Salazar assiste com regularidade aos ensaios da companhia.
Espectáculos Marcantes
Destemida consegue apresentar obras de grande ousadia para a época. O Processo de Jesus, A Visita da Velha Senhora, Os Incendiários afirmam-se espectáculos marcantes. A censura, porém, não a perde de vista. Textos de Brecht, Santareno, Sttau Monteiro, entre tantos outros, veem-se impedidos de ser encenados.
O Teatro Nacional torna-se um conservatório. João Villaret, Eunice Munoz, Mariana Rey Monteiro, Laura Alves, Maria Barroso, Carmen Dolores, Madalena Sotto, Lourdes Norberto Cecília Guimarães, são alguns dos muitos que passaram por ele.
Os anos 60 trazem duras dificuldades, incêndios, críticas injustas, afastamento de público, provocam danos.
Amélia Rey Colaço conhece o papel da sua vida em A Visita da Velha Senhora, enquanto Palmira Bastos reaparece em As Árvores Morrem de Pé – a sua coroa de glória.
A perseverança, o talento de Amélia não conhece a derrota. Nos últimos anos põe em cena O Tango e Adriano VII, espectáculos de referência.
Após a revolução de 1974, Amélia Rey Colaço suspende a actividade da companhia e retira-se para a sua moradia do Dafundo. Dizia que era a sua fortaleza, saía pouco, ocupava o tempo a ler, a ouvir música e a receber os que a visitavam. Acompanha toda a actividade teatral e sonha em voltar aos palcos.
Em 1980 pensa regressar em Ensina-me a Viver. Os ensaios são, porém, incompreensivelmente interrompidos.
Dois anos depois, Amélia Rey Colaço aceita participar no elenco de Gente Fina é Outra Coisa, série televisiva de grande êxito.
Finalmente conhece uma enorme popularidade que, no entanto, a desgosta – a paixão da sua vida era o teatro.
Em 1985, aos 87 anos, com o apoio do Ministério da Cultura, despede-se dos palcos no papel de D. Catarina em El-Rei Sebastião, uma peça inédita de José Régio. A estreia acontece em Portalegre, onde o escritor vivera.
Amélia não consegue realizar, por motivos físicos, o sonho de despedir-se do público em Lisboa no Teatro São Luís, onde se estreara no papel de Marionela.
O ano de 1987 é de glória. O Museu do Teatro inaugura a exposição A Companhia Rey Colaço Robles Monteiro 1921-1974. Na noite de 17 Novembro desse ano, embora debilitada fisicamente, ela comparece à inauguração: completava nessa noite os 70 anos sobre a sua estreia. A multidão, que ocorreu à cerimónia, obriga-a a dirigir-se-lhe da varanda principal do museu. Teve uma grande ovação. Foi uma das suas últimas aparições públicas.
A actriz doa todo o seu espólio ao Museu do Teatro. Trata-se de um acervo vastíssimo composto por álbuns, recortes, fotografias, trajes, adereços, correspondência, livros, prémios e condecorações.
Amélia Rey Colaço recolhe-se, entretanto, a casa da filha – que interrompe o seu trabalho para a acompanhar. Sonha até ao fim em concretizar projectos teatrais. Lúcida e pragmática resolve, em 1988, abandonar a moradia no Dafundo (cedida pela marquesa Olga de Cadaval) e leiloar todos os seus bens móveis para melhor assegurar o futuro da filha. Apenas a Casa das Fontainhas, em Fontanelas, construída por Robles Monteiro, ponto de férias da família, resiste.
A 8 de Julho de 1990, Amélia Rey Colaço morre às três horas da madrugada – hora a que, muitos anos antes, fora informada do incêndio no Teatro Nacional. As cerimónias fúnebres são marcadas pela presença do mundo cultural e político.
António Brás