Viúva Lamego no Museu Nacional do Azulejo

Viúva Lamego I No Museu Nacional do Azulejo

175 anos de azulejo da fábrica Viúva Lamego são um forte e indiscutível motivo para homenagear o exemplar trabalho que ali tem sido desenvolvido. E foi precisamente essa a intenção do Museu Nacional do Azulejo que no passado dia 3 de Outubro inaugurou uma exposição comemorativa sob o signo de “Uma perspectiva do presente, uma Visão do Futuro”.

Quando em 1865 António da Costa Lamego inaugurou a sua olaria no Intendente, estaria confiante no seu projeto, mas certamente não imaginava que ele perduraria ao longo de quase dois séculos.

Estávamos na 2ª metade do século XIX e Portugal vivia uma época que ficaria conhecida como Regeneração. Um tempo marcado pelo optimismo fruto do ímpeto de modernização e da vontade em resgatar o país da estagnação. Apesar da situação económica não ser solarenga, o atraso em que o país se encontrava face ao resto da Europa viria a conhecer uma inversão de marcha colocando-o no caminho do futuro. As décadas anteriores não tinham sido fáceis em resultado quer das invasões francesas a que se seguiu a presença abusiva dos ingleses, quer das revoluções e crises políticas sucessivas. Mas nas últimas décadas do século XIX o esforço estava centrado no progresso do país e os ventos de mudança sopravam fortes e benévolos, inspirando gente audaz e crente num futuro luminoso.

Não sabemos se o empresário António da Costa Lamego estaria ou não imbuído desse espírito arrojado, mas as características do edifício que mandou construir, bem ao estilo naïf oitocentista com motivos de fresco pompeiano, e que hoje é um ex-libris da cidade, revela um carácter pioneiro e criativo. Inaugurada em 1865, no Intendente, a olaria que se manteve em funcionamento até 1992, ano em que a produção passou para Sintra, apresenta uma fachada marcadamente singular que desde sempre causou um impacto muito positivo sobre o público que ainda hoje se deslumbra com a decoração figurativa, da autoria do director artístico da fábrica, Ferreira das Tabuletas. O edifício tornou-se assim num exemplo vanguardista no uso do azulejo como estratégia publicitária para atrair clientes e encontra-se hoje classificado como imóvel de interesse público sendo um dos mais emblemáticos da cidade.

O que era inicialmente uma oficina iria tornar-se gradualmente numa fábrica de reconhecido mérito que passaria a tomar o nome de Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego precisamente quando o fundador morreu em 1876 e a sua viúva assumiu a gestão da empresa. Numa época cultural marcada pelo domínio masculino, apenas a condição de viúva com o apelido do marido poderia passar a ser a marca identitária de uma fábrica icónica que mais tarde, tornar-se-ia propriedade de uma sociedade.

Numa fase inicial, a fábrica produzia artigos utilitários em barro vermelho, faiança e azulejos em barro branco, para depois se dedicar apenas à produção de azulejos para dar resposta à imensa procura que então se registava. De facto, com a chegada do século XX, o azulejo, que apesar de ter conhecido momentos áureos foi tendo um percurso oscilante de interesse e investimento artístico, tornou-se o principal produto da Fábrica de Cerâmica Viúva Lamego que o resgatou de um mero conceito utilitário para lhe devolver o protagonismo que já havia conhecido em outras épocas. Para a concretização desta opção empresarial muito contribuiu a estreita colaboração com artistas que desde cedo privilegiou como é disso exemplo Almada Negreiros, Helena da Silva, Maria Keil. Podemos pois afirmar que o rumo escolhido visou dois objetivos que foram alcançados com sucesso: manter os elevados níveis de qualidade a que a marca a todos tinha habituado, e, em simultâneo, produzir com originalidade evocando o azulejo como obra de arte.

Nos anos 1930, a componente industrial foi mudada para a Palma de Baixo e em 1992 seria transferida para a Abrunheira, em Sintra, onde se concentra atualmente a fábrica, loja de fábrica e showroom.

Até ao próximo dia 29 de Dezembro, o Museu Nacional do Azulejo oferece-nos uma viagem pelo percurso da cerâmica Viúva Lamego e onde podemos reconhecer o papel fundamental que aquela que é consagrada como uma das mais importantes fábricas de azulejo em Portugal desempenhou e continua a desempenhar na história da azulejaria nacional. Uma marca que honra “o seu legado histórico, reinventando e projetando para o futuro um património único da cultura portuguesa, o Azulejo” como refere museu.

“Uma perspetiva do presente, uma visão do futuro” tem curadoria dos investigadores Rosário Salema de Carvalho e Francisco Queiroz e é composta por dezassete peças, incluindo obras especialmente concebidas para esta ocasião, reunindo tanto artistas consagrados, como uma nova geração de autores.

Bela Silva, com a peça Batucada de Cor, e o francês Hervé Di Rosa, com Subaquática, representam os artistas residentes, herdeiros dos famosos casulos. O suíço Noël Fischer explora uma via iniciada nas peças Rede. A artista brasileira Adriana Varejão, que tem usado o azulejo como referência, apresenta Azulejão enquanto que autores como Vhils e Add Fuel incorporam a cultura urbana contemporânea nos trabalhos expostos. Manuela Pimentel explora um jogo ilusório de múltiplas dimensões, enquanto Rita João/Estúdio Pedrita recupera a azulejaria industrial da segunda metade do século XX.

Ainda entre os artistas, com obra consolidada e que mais recentemente trabalham com a Viúva Lamego, encontram-se a ilustradora francesa Henriette Arcelin, o designer francês Noé Duchaufour-Lawrance e o coletivo Oficina Marques.

Lembremos que a produção e o legado histórico da Viúva Lamego já se encontra representado  na coleção do Museu Nacional do Azulejo onde, na exposição permanente, a sinalética destaca as obras produzidas pela Viúva Lamego. O presente e o futuro serão sempre um excelente mote para uma visita pelo espólio museológico enriquecido agora com a presente exposição que se desenvolve em dois pisos. Na sala de exposições temporárias do piso superior apresenta-se uma seleção de peças, azulejos, desenhos e maquetes que nos fala de um passado extraordinário enquanto que no piso inferior é o presente que nos é revelado e nos confirma a continuação de articulação entre artistas.

O catálogo da exposição, que apenas estará disponível no final de Novembro, surge no formato bilingue (português/inglês) e aborda a história da Viúva Lamego desde a sua fundação.                                                  

Ana Paula Timóteo

Paula Timóteo

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