As Bibliotecas

O mês de Julho começa com uma homenagem que o mundo presta às bibliotecas, esses lugares de encantamento que nos inspiram silêncio e nos convidam a desvendar o desconhecido, Com origem no  grego antigo, o termo  “biblioteca” resulta da união da palavra “biblion” que significa “livro” e da palavra “theke” que significa “estojo” ou “depósito”. Assim, o termo “biblioteca” referia-se, inicialmente, a um lugar onde os livros eram guardados, um mero depósito livresco. Com o passar do tempo, a palavra ganhou vida, galgou fronteiras e foi sendo acolhida em várias línguas, incluindo o português, para designar não apenas o espaço dedicado à coleção de livros como também um lugar de estudo. É por isso que o termo “biblioteca” é uma palavra que carrega a ideia de um santuário guardião do conhecimento escrito. Um lugar que possui uma atmosfera mágica exalada das lombadas serenas e expectantes, das mesas em vigília, dos lentos folheares das páginas, do cantar sincopado de quem escreve.

As bibliotecas, verdadeiras catedrais do conhecimento, têm uma longa história que já soma largos milhares de anos. Acredita-se que as primeiras tenham surgido na Mesopotâmia, por volta de 2500 a.C., onde os sumérios armazenavam tábuas de argila com escritos cuneiformes. A escrita cuneiforme, recorde-se, foi desenvolvida pelos sumérios por volta do final do quarto milênio a.C. e consistia no uso de um estilete que fazia marcas em forma de cunha em tábuas de argila.

Inicialmente, esta escrita surgiu da necessidade de registar transações comerciais, mas ao longo do tempo alargou o seu âmbito para fixar leis, literatura, correspondência…

A escrita cuneiforme é um dos sistemas de escrita mais antigos e foi fundamental para o desenvolvimento da civilização ao possibilitar a comunicação escrita e a preservação de conhecimento. Ela revela o reconhecimento, por parte do Homem, da importância em vencer o esquecimento através do registo.

As bibliotecas da Mesopotâmia, especialmente as que existiram nas grandes cidades-estado como Ur, Nínive e Babilônia, representavam importantes centros  de conhecimento e cultura na antiguidade e muitas encontravam-se em templos ou palácios, o que demonstra a sua importância na vida religiosa e administrativa da sociedade. Embora não houvesse um sistema de catalogação tão formal quanto o que conhecemos hoje, não deixava de existir uma organização por tema ou tipo de documento. Além de serem locais de armazenamento de conhecimento, as bibliotecas também actuavam como centros de ensino e pesquisa, onde escribas e estudiosos podiam estudar e copiar textos. Aliás, este conceito de biblioteca que não se reduz a um armazenamento livresco vai ter continuidade ao longo dos tempos e hoje é possível encontrar bibliotecas inseridas em espaços polivalentes onde se proporciona o acesso a fontes de informação digital além de oferecerem cursos, eventos culturais e espaços de estudo colaborativo.

A Biblioteca de Nínive, que fazia parte do palácio do rei assírio Assurbanípal, no século VII a.C. foi outra das primeiras bibliotecas de que há registo. Continha uma vasta colecção de textos em várias línguas, incluindo literatura, ciência e religião.

Mas a biblioteca de Alexandria, fundada por volta do século III a.C, representa no imaginário colectivo o apogeu bibliotecário da Antiguidade e ainda hoje ela é lembrada num misto de fascínio e lenda. Localizada na cidade de Alexandria, no Egipto, tinha como objectivo reunir todo o conhecimento do mundo antigo num só lugar e o que é certo é que atingiu um número surpreendente de documentos. Calcula-se que largas centenas de milhares de rolos e manuscritos ali encontraram refúgio que, infelizmente, não durou para sempre.  Ao longo dos séculos a biblioteca sofreria vários incêndios tendo sido por completo destruída por volta do século III ou IV d.C. Porém, o desaparecimento de manuscritos antigos não se deveu exclusivamente à destruição da biblioteca, nem tão pouco à péssima administração de que foi vítima, a partir do ano 145 a.C, quando Ptolomeu VIII Physkon (governador c. 145 – c. 116 aC) ordenou a expulsão de todos os eruditos “estrangeiros” (ou seja, gregos) da cidade de Alexandria. De facto, na altura e por todo o mundo helenístico, proliferavam bibliotecas e a de Pérgamo era mesmo considerada uma rival à altura da de Alexandria. O que foi fatal para a preservação dos documentos foi tão somente a passagem do tempo. Escritos em papiro, os manuscritos tinham uma longevidade de cerca 50 anos o que significava que teria de haver interesse elevado para que houvesse o investimento necessário para a cópia sucessiva das obras.

Contudo, vasto foi o legado que as bibliotecas antigas nos conseguiram deixar tendo sido decisivas para a preservação do conhecimento e a sua transmissão ao longo do tempo. Mesmo com as perdas inevitáveis, elas desempenharam um papel crucial no desenvolvimento da escrita e da civilização.

Na Idade Média, competiu à Igreja, sobretudo às ordens religiosas, a função de cuidadoras e depositárias do saber garantindo a sua difusão o que só foi possível graças ao trabalho incansável dos monges copistas. Se muito do acervo bibliográfico da Antiguidade chegou até nós, devemo-lo ao trabalho meticuloso dos monges que não só copiavam, mas ilustravam os textos com ricas iluminuras.

Com a invenção da imprensa, por Johannes Gutenberg no século XV, a produção, difusão e acesso aos livros ganhou um impulso decisivo. Numa época em que se assiste a um renovado e entusiástico interesse pela cultura clássica da Antiga Grécia e Roma, as bibliotecas do Renascimento tiveram um papel fulcral porque elas tinham conseguido preservar o conhecimento antigo que agora era por elas disponibilizado assumindo-se como centros de estudo e troca de ideias.

A Bíblia, 1452, o 1º livro impresso por Gutenberg

Sem as bibliotecas, o mundo não teria evoluído, do ponto de vista cultural e científico, como evoluiu.  A curiosidade científica e o apelo cultural eram de tal forma intensos que se multiplicaram bibliotecas um pouco por todo o lado, muitas sob a égide de famílias abastadas como a dos Médici. Um exemplo notável é a Biblioteca Laurentiana, em Florença, localizada num edifício que originalmente fazia parte do complexo do Convento de São Marcos. Fundada pelos membros da família Medici, especialmente por Cosimo de’ Medici, no século XV, a biblioteca foi projetada por Michelangelo e foi criada como uma coleção privada de livros e manuscritos da família Medici tendo posteriormente se tornado numa importante biblioteca pública e académica.  

As bibliotecas existem há milhares de anos e têm desempenhado um papel crucial na preservação e disseminação do conhecimento ao longo da História. Ao longo do tempo têm conseguido ir ao encontro das matrizes culturais das épocas e sociedades. Actualmente, muitas estão apostadas no investimento em recursos digitais, como e-books, audiolivros e plataformas online, facilitando o acesso aos conteúdos existente em qualquer lugar e a partir de qualquer lugar do mundo. Um sinal dos tempos e do permanente objectivo de disseminação dos saberes.

 Cada biblioteca continua a ser, como desde tempos ancestrais, um verdadeiro portal tridimensional que oferece viagens sempre inacabadas pelo universo sem fronteiras dos livros.

Paula Timóteo

Paula Timóteo

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