Tomás da Anunciação I O pintor animalista

Neste número da Moda & Moda, a propósito do dia mundial do animal, damos destaque, num outro artigo, à arte animalista ao longo do tempo e na pintura portuguesa há nomes incontornáveis. Júlio Pomar sobre quem já dedicámos um artigo no número de Fevereiro, destacou-se numa época contemporânea enquanto “os galgos” de Amadeu de Souza Cardoso é considerada uma das melhores obras do modernismo. Uma obra que se tornou incontornável na História da Arte portuguesa porque nela Amadeu revela a sua assinatura pictórica. Mas recuando uns bons anos, encontramos em Tomás José da Anunciação (1818–1879), um dos maiores pintores portugueses de todos os tempos com um trabalho especialmente notável na representação de animais sendo mesmo considerado o melhor artista nessa área em toda a Península Ibérica.

Apesar de facilmente identificarmos Anunciação como um pintor do Romantismo, o rigor com que representava anatomicamente os animais, aproxima-o do realismo sem prejuízo de também o situarmos na corrente do naturalismo dadas as temáticas privilegiadas. A narrativa pictórica que Anunciação privilegia consolida-se e ganha reconhecimento fora de portas especialmente com a primeira viagem a Paris, em 1867, quando participa na Exposição Universal para que fora seleccionado. Seguir-se-ia, em 1871, a sua primeira exposição em Madrid tendo na altura sido premiado com a Medalha de Prata.

Tomás da Anunciação nasceu em Lisboa e apesar de se atribuir a data de 26 de Outubro de 1818 como tendo sido a do seu nascimento, o certo é que persistem dúvidas sobre a data. Mas se há dúvidas quanto ao ano do seu nascimento, não restam nenhumas quanto à precocidade com que revelou especial vocação para o desenho.

Depois de ter frequentado aulas de Arquitectura da Sala do Risco do Arsenal e de ter vivido a experiência como praticante-desenhador no Museu de História Natural, onde certamente se terá instalado a sua preferência pelo mundo natural e animal, entrou no curso de desenho da Academia de Belas Artes em 1836, ano da abertura de portas da Instituição por decreto da rainha D. Maria II. Contudo a experiência acabaria por ser frustrante para o jovem pintor. Já detentor de um olhar crítico e sedento de novos caminhos, Anunciação criticaria na altura o excessivo academismo que considerava estar fundado num trabalho preferencial ou mesmo exclusivo de atelier que não se coadunava já com o que deveria ser a nova linguagem e os novos temas a abordar.

Após a experiência pouco gratificante na Escola de Belas Artes, Anunciação irá dedicar-se à litografia, uma técnica de impressão que fora desenvolvida no final do século XVIII por Aloys Senefelder. O artista dará então preferência à impressão de documentos de História Natural ao mesmo tempo que vai produzindo pequenas pinturas paisagísticas e animalistas.

Em Portugal, o início de reconhecimento consensual da sua pintura acontece quando em 1848 o príncipe consorte, D. Fernando, adquire quatro pequenas pinturas animalistas depois de as ter visto expostas na loja de João Anastácio Rosa. A partir daí, D. Fernando, reconhecendo o talento de Anunciação, torna-se seu mecenas e encomenda-lhe a obra Amores de Aldeia uma obra significativa não apenas pela sua qualidade artística, mas porque sendo o resultado de uma encomenda oficial iria ser determinante para a valorização e destaque do tema dos costumes integrados numa paisagem rural. Uma narrativa a que o Romantismo ainda não dedicara suficiente atenção em grande medida porque era considerada uma temática menos prestigiante. Por isso podemos afirmar que esta encomenda tornou-se duplamente simbólica porque teve um especial impacto na carreira de Anunciação e porque é conferido um estatuto nobre a temáticas até então menos valorizadas.

Anunciação realizaria ainda cópias de mestres estrangeiros para o conde de Rackzynski, ministro da Prússia na corte de Lisboa e viria a ser nomeado professor substituto da cadeira de Paisagem da Academia, em 1852, com a obra Vista da Amora, tornando-se professor efectivo em 1858, quando apresenta o quadro A vista da Penha de França, obra que levou os seus pares a considerarem-no o mestre da geração romântica.

Os ventos de uma maior liberdade criativa e de capacidade de divulgação das obras chegará com a fundação da Sociedade Promotora de Belas-Artes em 1862. O surgimento da Sociedade resultou de um esforço colectivo em que Anunciação esteve empenhadamente envolvido. O anseio por mudança era transversal a toda uma nova geração de artistas e com o surgimento da SBA abriram-se as fronteiras canónicas no meio artístico. Mais tarde viria a SBA a ser alvo do olhar crítico dos artistas que formaram a posterior onda vanguardista do início do século XX.

Anunciação, ficaria imortalizado em boa companhia com os seus colegas, na tela de João Cristino da Silva (1829-1877) Cinco Artistas em Sintra, pintada em 1855. Na pintura, a par de Anunciação, surgem Francisco, Vítor Bastos, José Rodrigues e o próprio Cristino da Silva, numa composição ao ar livre. Os 5 artistas em Sintra, obra realizada para representar Portugal na Exposição Universal de Paris de 1855, e posteriormente adquirida por D. Fernando II, faz actualmente parte do acervo do Museu de Arte Contemporânea do Chiado em Lisboa. Trata-se de uma obra emblemática, considerada a primeira obra de representação de um colectivo de artistas e símbolo do Romantismo português. A escolha do cenário idílico de Sintra, com o apontamento subtil do palácio da Pena envolto em bruma ao longe, reforçando o imaginário romântico e enigmático de Sintra, consolida a atmosfera romântica além de constituir uma obra de transição e de afirmação de uma pintura ao ar livre (en plein air) valorizando a paisagem natural como tema por direito próprio e o artista como protagonista.

Mas a pintura, apesar do título, é também e sobretudo uma homenagem a Tomás da Anunciação, um pintor amante da Natureza e por isso ele é representado no centro, em posição claramente de destaque a desenhar sob o olhar curioso de populares, os “saloios”, que se destacam e sublinham a referência ao ruralismo amplificando o enquadramento social e cultural da cena.

Artista pouco estudado, conforme considera o crítico Zacharias d’Aça, Anunciação terá produzido cerca de quinhentas pinturas, na sua maioria paisagens pintadas no local, fortemente influenciadas pelo paisagismo holandês e promovendo uma estética que acaba por se assumir como antecipadora do naturalismo. Por nomeação régia, chegou a ser professor da rainha D. Maria e Diretor da Galeria da Ajuda.

Anunciação morre em 1879, mas a caminhada final será marcada com uma última experiência interessante. No ano anterior fora nomeado Director da Academia de Belas Artes, a instituição que décadas antes lhe tinha trazido tão pouca satisfação.

                                                                              

Paula Timóteo

Paula Timóteo

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