Picasso dizia que tinha andado uma vida inteira para aprender a desenhar como uma criança e todos nós, certamente, já fomos artistas festejados em família e na escola.Desenhar, colorir, pintar, esculpir, recortar… costumavam ser actividades tão impulsivamente apaixonantes para as crianças que era difícil conceber uma que não estivesse com um papel branco à sua frente e um lápis, ou muitos e coloridos, numa das mãos. De olhos no papel, em plena concentração, a criança, que todos já fomos, desenhava mundos e personagens, jardins e montanhas, céus e tempestades, mares nunca antes navegados e subia por muitos rios acima.
As prendas de aniversário eram, na esmagadora maioria dos casos, livros, canetas de feltro, lápis de cor e de cera e um livro para colorir ou, simplesmente, um caderno de folhas brancas onde a fantasia e o mundo das lendas habitava. As canções aprendidas em casa e na escola compunham os cenários domésticos e as peças de teatro, esse constante faz de conta, eram o açúcar e mel da infância.
Para o professor de arte e educação da Universidade de Stanford, Elliot W. Eisner, as diferentes linguagens artísticas ajudam as crianças “a perceber que o mundo pode ser visto como fonte de experiência estética e como reservatório de formas expressivas.”
Entre 2022 e 2023 decorreu uma experiência na Turquia envolvendo uma escola do pré-escolar e um museu. De acordo com as conclusões retiradas, o contacto das crianças com os estímulos oferecidos através do museu traduziram-se num enriquecimento de experiências visuais que teve um impacto significativo na familiarização das crianças com diferentes ambientes artísticos favorecendo o desenvolvimento cognitivo e socio-sensório. Neste estudo, foi examinado o efeito da educação artística em museus nos níveis de desenvolvimento cognitivo e socio sensorial de crianças no contexto da educação artística pré-escolar. A amostra do estudo foi composta por 28 crianças em idade pré-escolar, com idades entre 57 e 68 meses.
A pesquisadora turca, Sebnem Noyat, implementou as atividades na instituição de educação pré-escolar e orientou o processo. Duas classes foram determinadas: grupo experimental e grupo de controle. No âmbito da pesquisa, os planos de atividades de educação artística foram preparados para os alunos do grupo experimental antes e depois da visita educacional ao museu e foram implementados com os alunos do grupo de controle que não tiveram a experiência da ida ao museu. A pesquisa foi realizada no Museu de Arqueologia no distrito de Izmit, e no jardim de infância público que oferece educação pré-escolar. A recolha de dados da pesquisa durou 13 semanas e depois de analisados os dados concluiu-se que as práticas de educação em museus enriquecem as experiências de aprendizagem das crianças e mudam os seus níveis de desenvolvimento. Obras de arte, esculturas, arte histórica e outros objetos expostos em museus enriquecem as experiências visuais das crianças, permitindo que elas se familiarizem com diferentes ambientes e obras. Além disso, de acordo com os resultados da pesquisa, atividades e exposições interativas realizadas em museus ajudam as crianças a melhorar seus níveis de desenvolvimento na prática.
Infelizmente, ao longo das últimas décadas, e apesar da multiplicação de ofertas interessantes de actividades extra-curriculares, temos assistido a um decréscimo gradual, mas preocupante, no tempo a que as crianças e jovens se dedicam a atividades criativas. Cada vez mais os jogos electrónicos, os tik toks, os reels e toda uma gama de apelos estridentes consomem como fogo em palha seca o espaço que a vida possui. Se em casa as actividades foram perdendo a graciosidade das coisas que embora simples eram férteis em construção mental, e os programas lúdicos em família se passaram a resumir ao hambúrguer comido num Centro Comercial, a Escola também se foi transmutando numa coisa estranha à Educação integral e humana. Paulatinamente, fomos assistindo à sua aproximação a um perfil empresarial recheado de terminologia e paradigmas próprios de uma qualquer fábrica ou empresa, projectos empresariais com fins lucrativos. O novo perfil da Escola Pública reflecte o que tem sido norma nas últimas décadas de menoridade da Política Educativa. De forma mais ou menos subtil, o poder político foi desinvestindo na Escola Pública sustentando-se em narrativas pouco concordantes com o estatuto edificante da Escola que passou a estar refém de um guião elaborado pelo mundo económico que dita as necessidades e desenha o perfil do trabalhador desejável.
A Escola passou a forjar-se de estatísticas, números, indicadores, evidências. Uma panóplia de floreados técnicos construtores de mentira e embuste que se tem perpetuado e têm tornado as áreas artísticas os parentes pobres da Escola. O mercado de trabalho não procura gente que tem voos dentro de si, pés de algodão que sobem às nuvens para trazer o sol e o céu e as estrelas até nós, gente capaz de inventar o belo e a felicidade, de destruir muros para alcançar a liberdade. O que o mercado de trabalho quer são trabalhadores que obedeçam sem questionar e que apenas reservem uma parcela de criatividade para encontrar soluções que permitam alcançar mais riqueza monetária. Por isso, se cerceiam os caminhos da arte o que acaba por ter consequências negativas a vários níveis.
O certo é que a valorização da educação artística tem impacto na própria performance académica e não só. O envolvimento com as artes pode melhorar as competências socio-emocionais, aumentar a confiança e estimular a inovação e originalidade. A professora e investigadora brasileira na área dos estudos sobre política educacional, Dalila Andrade Oliveira, num artigo publicado em 2020, na revista Saber e Educar, defende que “Quando o ensino da arte vai além da reprodução técnica e promove a imaginação, o lúdico e a expressão pessoal, ele contribui para a curiosidade, criatividade e pensamento crítico das crianças.”
Numa época em que o mundo atravessa momentos muito sombrios e reveladores de uma gigantesca crueldade, é urgente o amor, como Eugénio de Andrade nos interpelou, é urgente recuperar e reacender as centelhas fecundas dos espíritos audazes. A luta contra o ódio e contra a apatia perante esse mesmo ódio faz-se pela Educação, uma Educação em que se ensine a conjugar os verbos “pensar” e “amar”. A arte transporta-nos a dimensões de fruição, descoberta do lugar que o Homem habita, encantamento e vínculo, desejo de criar com um propósito edificante.
No livro “Arte na educação infantil: mediação, vivência e sensibilidade” os autores partilham as conclusões a que chegaram e que revelam que práticas artísticas com crianças de 3-4 anos focadas na vivência estética (experiências significativas) promovem curiosidade, criatividade, sensibilidade e pensamento crítico. E há investigações que, reforçando este aspecto mesmo em faixas etárias mais velhas, apontam que os jovens que estudam artes têm maiores probabilidades de se envolverem na escola, terminarem estudos pós-secundários, alcançarem melhores resultados em linguagem e vocabulário, além de adoptarem comportamentos sociais positivos.
Para além de todos os ganhos, a arte promove um bem-estar geral inegável e tem sido determinante quando incorporada em estratégias de tratamentos, na recuperação de problemáticas do foro psicológico e mesmo físico. A música escutada ou tocada eleva-nos a uma transcendência sagrada, as artes plásticas galvanizam as narrativas visuais e as performativas permitem-nos a liberdade do movimento, de falarmos com gestos e palavras, com silêncios e murmúrios.
A Arte, ao nos proporcionar uma extensão de nós mesmos, permite-nos o gesto nobre e altruísta de nos darmos aos outros, através da obra que realizamos. Quando as crianças e jovens se envolvem num fazer artístico, são convidados a embarcar na aventura de serem criadores do que não existia e de se conectarem com o mundo oferecendo-lhe o que lhes habita a alma.
Paula Timoteo

