Alice Springs I Na Fundação Helmut Newton, em Berlim

Alice Springs I Na Fundação Helmut Newton, em Berlim

A exposição da Alice Springs. foi inaugurada na Fundação Helmut Newton, em Berlim, a 2 de junho de 2023. Para comemorar o 100.º aniversário de June Newton, também conhecida como Alice Springs, estão expostas mais de 200 fotografias em todo o espaço da mostra da fundação.

Embora já tenham sido organizadas grandes exposições de Alice Springs na Fundação Helmut Newton em 2010 e 2016, muitas das fotografias desta nova retrospetiva nunca foram vistas pelo público. A investigação exaustiva dos arquivos desta instituição, em particular das colecções recentemente transferidas para Berlim do apartamento dos Newtons no Mónaco, proporcionou uma nova visão do trabalho de Alice Springs. 

A arista foi casada com Helmut Newton e tornou-se também fotógrafa. Paralelamente com a exposição foi lançado um novo livro, que mostram as celebridades e os anónimos que ela captou entre 1972 e 2009.

​Dela se costuma dizer-se, que foi mulher e braço direito de Helmut Newton – editora, diretora de arte e curadora do fotógrafo durante quase 60 anos. Mas se o trabalho dele é há muito reconhecido e venerado, pela forma como retratou a sensualidade feminina e alterou paradigmas na fotografia de moda, já a carreira de Alice Springs tem permanecido relativamente esquecida.

​A primeira exposição em nome próprio é de 1978, em Amesterdão, mas a primeira retrospetiva a que teve direito, ou com a qual concordou, data de 2010, em Berlim. Portugal, por exemplo, nunca a viu a solo, mesmo se a fotógrafa, essencialmente retratista, trabalha desde 1970.

​ Naquele ano, com o marido atacado por uma gripe severa e com um trabalho em mãos, Alice Springs decide pegar na máquina e fazer ela as fotografias. Eram para uma publicidade da marca de cigarros Gitanes. Assim iniciou a sua carreira.

​Parte do seu trabalho pode agora ser visto na exposição “Alice Springs, Na Fundação Helmut Newton, em Berlim”, que se mantém até 20 de Novembro na Fundação Helmut Newton, em Berlim. Ao mesmo tempo, a Taschen publicou um livro homónimo que funciona como catálogo da exibição berlinense. 

Alice Springs

Alice Springs (nome de cidade australiana) é o pseudónimo de June Browne, nascida em Melbourne em 1923. Começou por seguir uma carreira como actriz, aí com o nome June Brunell, até que em 1947 conheceu o seu futuro marido, que tinha aberto um estúdio na Austrália. 

​June entrou no estúdio de Helmut Newton como modelo e saiu como noiva. Casaram-se no ano seguinte, viveram uma temporadas em Londres e Paris, June ainda como actriz, regressaram ao país dela e finalmente fixaram-se na capital francesa a partir de 1961.

​June Newton começou a trabalhar em 1970 como fotógrafa profissional sob o nome de Alice Springs, dedicando-se principalmente ao retrato. Tudo começou com um caso de gripe: quando Helmut Newton adoeceu em 1970, a sua mulher June veio logo ajudá-lo e fez as imagens que ela precisava. Ele explicou-lhe como utilizar a máquina fotográfica ela substituiu-o na fotografia de uma imagem publicitária para a marca de cigarros francesa Gitanes, em Paris. Este retrato de um modelo a fumar lançou a nova carreira do antigo actor australiano, que tinha poucas hipóteses de actuar em França devido à barreira linguística. Na sequência deste sucesso inicial, José Alvarez, que dirigia uma agência de publicidade em Paris, encomendou-lhe a realização de anúncios de produtos farmacêuticos. Mais tarde, como director da editora Editions du Regard, Alvarez publicou o primeiro livro de retratos de Alice Springs em 1983.

​Alice Springs fotografou muitos retratos a partir de meados dos anos setenta. As suas imagens estão repletas de empatia, transmitindo a sua caraterística mistura de curiosidade e compreensão pelos indivíduos que encontrou ao longo dos anos. Nos retratos que fez de colegas fotógrafos – incluindo Richard Avedon, Brassaï, Ralph Gibson, Sheila Metzner e Robert Mapplethorpe – e de celebridades como Nicole Kidman, Isabelle Adjani, Vivienne Westwood, Liam Neeson e Claude Chabrol, Alice Springs conseguiu captar não só a aparência das suas figuras, mas também a sua aura.

Embora a maior parte das pessoas que retratou fizessem parte do jet set cultural, Alice Springs não se preocupou com o estatuto social dos seus retratados. A sua objectiva centrava-se muitas vezes no rosto humano, mostrado em cortes apertados com a cabeça e os ombros ou como um retrato de três quartos de comprimento. Os seus modelos olhavam curiosamente, abertamente e directamente para a sua máquina fotográfica de 35 mm. As fotografias de estúdio são raras na sua obra; a maior parte dos seus retratos foram tirados em espaços públicos ou no interior ou exterior das casas dos seus protagonistas, utilizando sobretudo a luz natural. Nestas imagens, encontramos todo o espetro de reacções: desde poses que mostram uma autoconfiança natural, até aos olhares tímidos. Igualmente fascinantes são os retratos do marido, que ela tirou durante as suas próprias sessões fotográficas.

Retratos “Imediatos e Naturais”

A exposição e o livro resultam de uma antológica de Alice Springs realizada em 2015, na Maison Européenne de la Photographie – MEP, no bairro parisiense de Marais, e que agora transitou para a Alemanha.

São uma visão parcelar da fotógrafa, que também trabalhou para marcas, como Jean-Louis David, e revistas de moda: Vanity Fair, Elle, Vogue, Stern, Interview, entre muitas outras. 

​O volume, tal como a exposição, está dividido em três secções. Um primeiro conjunto de retratos a preto e branco e a cores, sem título. O mais antigo é de 1972 e o mais recente, de 2009. O marido aparece em muitas das fotografias, sozinho ou na companhia de celebridades como o fotógrafo Richard Avedon, o cantor lírico Luciano Pavarotti ou o astronauta Buzz Aldrin. O fotógrafo Sebastião Salgado, a atriz Audrey Hepburn ou o escritor Graham Greene são outros dos temas.

​A segunda parte intitula-se “Mulheres Célebres de Nova Iorque”, com sete retratos de Nan Kempner, Nancy Kissinger e Judy Peabody, entre outras. A terceira parte, “Melrose Avenue L A, 1980s”, apresenta registos a preto e branco da cena punk e hip-hop, com jovens no meio da rua a posar como numa revista de moda.

​Os retratos de Alice Springs são “imediatos, sensíveis e surpreendentemente naturais”, como se lê no livro. 

​Acerca de Alice, Helmut Newton dizia: “Não conheço ninguém que faça retratos como ela. Há muitos bons retratistas hoje, com trabalho relevante, mas o dela têm qualidades únicas. São imagens tiradas com absoluta candura. Nas raras oportunidades que tive de a ver trabalhar, sempre me espantou a ausência de manipulação, patente na forma como se apagava no cenário e tornava invisível.”

​Há uma década atrás, o jornal The Guardian, acerca da fotógrafa, descrevia o seguinte:” Alice Springs, é uma mulher atraente e inflexível, raramente seguiu o estilo do marido. No mesmo artigo defendeu que era mais fácil um fotógrafo captar a essência de uma mulher num retrato, e uma fotógrafa alcançar o interior de um homem”.

​Acerca do olhar, em relação com os temas, Alice Springs afirmou o seguinte: “Nunca veremos o olhar profundo das pessoas nas imagens de Helmut. Vemos apenas os olhos. Ele não tinha interesse nas pessoas, dizia que não se interessava pela alma. Mas eu tinha e tentava roubá-la. Em muitos casos, consegui.”

Theresa Beco de Lobo

Theresa Bêco de Lobo

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