A Imagem do Vinho I Cartazes da Empreza do Bolhão

A Imagem do Vinho I Cartazes da Empreza do Bolhão

Na transição do século XIX para os princípios do século XX deu-se a invasão das artes gráficas, graças ao desenvolvimento das técnicas de impressão tipográfica, permitindo deste modo uma variedade de cores e a utilização de imagens em complemento do texto. Eram processos que possibilitavam o aparecimento de um novo estilo de comunicação: a publicidade comercial. Desde as publicações aos cartazes, passando pelos anúncios e os calendários, agendas e bilhetes postais, a publicidade começou assim a invadir o quotidiano.

A falta de agências especializadas fazia com que os próprios anunciantes tivessem de contratar desenhadores com pouca experiência de publicidade para conceber a sua propaganda. Os cartazes publicitários caracterizavam-se, pois, pelo seu carácter intuitivo, ingénuo e primitivo. Os estilos reflectiam o gosto vitoriano com a recém-chegada “art nouveau.”

Foi só a partir de 1910, com agências de publicidade como a ETP, que os cartazes publicitários começaram a apresentar um gosto moderno.Libertando-se da forma edital que as limitações tipográficas impunham, o cartaz tornou-se o equilíbrio entre o texto e a imagem. Se no início o texto estava sempre em destaque, com a generalização da técnica da cromolitografia foi a imagem que se tornou dominante. 

Cartazes do vinho do Porto, licores e espumantes

Os anos 10

Nos anos 10 Caldevilla, preocupado com o “marketing” e a publicidade dos vinhos, usou, através do cartaz e do rótulo, a verdadeira linguagem do vinho. Estes meios de comunicação deram origem, no caso do vinho em geral e no do vinho do Porto em particular, a um discurso próprio, ao mesmo tempo complexo e sintético, capaz de combinar os recursos do texto e da imagem, da caligrafia e da cor, dos fundamentos comerciais e estéticos, recorrendo a uma imagem muito expressiva. Assim surgiu e se desenvolveu uma linguagem única, que toma parte desta cultura do quotidiano na qual imergimos constantemente sem quase nos apercebemos disso.

Diogo de Macedo foi um dos artistas que mais cartazes publicitários de vinho realizaram para a ETP, o seu traço distingue-se sem dúvida, recorrendo por vezes à figura da mulher como meio de captar a atenção. Existe mesmo um género de figura feminina nos seus trabalhos, por exemplo de vestido rosa de grande roda, decote folhado e cabelo ruivo, de olhos sempre sublinhados a vermelho. Esta elegante figura é a mesma que segura o cálice de licor de cacau: “Bi-Cacau-Chauve/Licor de Cacau” – 1916-1919, ou “Vinhos «Quinta de Pernelhas»” – 1916-1919.

O cartaz “Kopke’s Douro Port Wine – Representante Victor da Cunha Seixas” – anos 10, realizado também por Diogo de Macedo em Paris, estéticos, recorrendo a uma imagem muito expressiva. Assim surgiu e se desenvolveu uma linguagem única, que toma parte desta cultura do quotidiano na qual imergimos constantemente sem quase nos apercebemos disso. Estaimagem, apresenta um género de composição diferente dos cartazes que ele habitualmente criava.

Para além destes trabalhos gráficos, pode mencionar-se outros realizados pela empresa publicitária de Caldevilla, como: “Os Vinhos de Fernandes & Gomes/Triunfam Sempre” – 1914-1917, onde se destaca a figura de um guerreiro segurando numa mão uma garrafa; “Vinhos Surprehendentes – Parceria Vinicola do Norte, Lda, Vasconcellos” – anos 10, que mostra um homem bem humorado que abre uma caixa de onde salta uma garrafa do produto; “Le Meilleur des Grands Vins de Porto” – anos 10, uma composição onde se evidencia o transporte de uma garrafa por um carro de bois, puxado por uma camponesa; “Ah!……… estes Vinhos «Pereira da Costa»” – anos 10, um cartaz curioso com um homem estranho, com a cara e as mãos amarelas, brindando o observador com um copo de vinho; “Quinado/Constantino” – anos 20, um cartaz que salienta uma figura feminina vestida com um fato de banho em primeiro plano, olhando para uma garrafa enterrada na areia e um barco de vela ao longe; e, finalmente, “Porto Borges/Le Secret De Ma Force“ – 1921, é uma imagem muito forte de um leão com uma juba que ocupa a totalidade do cartaz, colocado ao lado da garrafa.

Os anos 20

A ditadura instaurada em 1926, fortalecida e tornada bem coerente com o Estado Novo entre 1928 e 1933, expressão dos sectores mais tradicionalistas e rigorosos da sociedade da época, já não podia aceitar representações tão contrárias às suas tendências ideológicas e morais. Menos ainda quando se entrou num tempo em que, sob a direcção de António Ferro, se cuidava muito da comunicação pública: o vinho fazia parte dessa imagem, através do cartaz. 

A sedução do vinho reduzia-se ao beijo, ou melhor, à preparação do beijo. Para indicar que o vinho era velho, já não se apresentavam ninfas nem faunos mas sim pessoas elegantes e bem vestidas. Para exprimir que o vinho era bom persistia-se na virilidade mais do que na sensualidade.

Entrou-se então num outro período. Mesmo assim, o cartaz conseguiu alcançar uma melhor de perfeição por outra via: a da emblemática. Depois da imagem sensual, a distinção abrasonada. Esta segunda fase de ouro coincidiu com uma interpretação completamente diferente, muito mais apurada, com um design modernista, linhas simples, grandes traços um pouco rigorosos, cores muito mais unidas e discretas: é o caso do cartaz, “Vinho de Porto Morgado”, de António Soares, dos anos 20 – Empreza do Bolhão. Ele conseguiu um impacto visual, através de um elegante copo de vinho ao lado de uma garrafa, ambos envolvidos por planos de cor e linhas geométricas, com influência “Art Déco”, onde parte do “lettering” é destacado a vermelho e o “M” do título surge num dos planos como decoração do cartaz.

Mas foi na vida nocturna, celebrada através anúncios luminosos nos telhados do Rossio, em 1928, que os anos 20 se afirmaram em todo o seu esplendor. Como testemunhava o “Diário de Notícias”, em 1927 “vive-se mais a noite que o dia”. A Baixa lisboeta estava cheia de “cabarets”, clubes mundanos, casinos e salas de espectáculos.

Cartazes de vinho espumante

A vida nocturna em Lisboa era vivida intensamente nos vários clubes e “cabarets”, onde a bebida da moda era o “champagne” e o vinho espumante. Diversas crónicas da época mencionavam o “champagne”. O “Diário de Notícias”, em 1927, salientava: “Esta trindade atraente: a mulher, a dança e o champagne”. A “Ilustração Portuguesa”: “E hoje (…), nos clubes elegantes onde a luz embriaga e o topásio do champagne...” e a “ABC”: “(…) um incêndio de gargalhadas entre milhares de garrafas de champagne”.

As empresas de vinhos anunciavam os seus produtos nesta época, com cartazes aliciantes de festas com pessoas elegantemente vestidas a brindar com taças de espumante, como exemplo: “Barrocão/Espumante Natural/Portugal” – 1929. Outro cartaz da mesma época: “Grande Vinho Espumante/das Caves da «Quinta da Corga»” realizados pela Empreza do Bolhão.

Cartazes Vinho do Porto Rainha Santa

Por volta de 1935 fazia-se grande publicidade ao Vinho do Porto Rainha Santa e para tal colaborou o aguarelista Roque Gameiro.

Este pintor foi empregado de uma oficina litográfica. Aí trabalhou e aprendeu a desenhar na pedra. Quando, em 1893, surgiu a ideia de se criarem escolas industriais, Roque Gameiro foi então para a Alemanha, onde, na Escola de Artes e Ofícios de Lipsia, estudou os mais modernos processos litográficos, incluindo a técnica do cartaz, cada vez mais em moda nessa época.

No entanto, os seus cartazes, como por exemplo o que anuncia o Vinho do Porto – “Saudo o Papa com o Porto Rainha Santa”, Empreza do Bolhão – não são mais do que aguarelas aumentadas para tamanho monumental. O mais pequeno pormenor é tratado em profundidade. Se fosse possível retirar a garrafa de cima da mesa e os copos das mãos de pai e filha, seria um quadro simples representando uma cena familiar cheia de naturalidade.

Para atingir o fim que lhe estava destinado, esta “pintura” teve de ser legendada, de tal forma que a parte gráfica está perfeitamente destacada do resto do conjunto.

Outros cartazes do Vinho do Porto Rainha Santa: um representando um anjinho puxando a rolha de uma garrafa, “Rainha Santa/Um Porto Celestial!/Vende-se Aqui” – 1929-1940; uma figura feminina a provar o vinho segurando uma garrafa e um cálice em cada mão, “Rainha Santa/Um Porto Precioso!…” – 1929-1940; dois anjinhos a segurar uma garrafa, “Vinho do Porto Rainha Santa/Nectar Celestial”; e ainda um casal a fazer um brinde, “Rainha Santa/Vinho do Porto Delicioso!…” – anos 30, realizados pela Empreza do Bolhão.

Com o mesmo fim de expansão do Vinho do Porto trabalhou também Jorge Colaço. Este artista permaneceu fiel à sua tendência mais vincada, o azulejo. Este cartaz mais parece um painel do que propriamente um meio de fazer publicidade. No entanto, como desenho, como minúcia de traço é excelente, representando duas figuras masculinas vestidas com fardas do século XVII, uma montada num cavalo com uma bandeira com a marca do vinho e outra de pé a tocar num tambor: “Vinhos Vasconcellos”.

Vinho do Porto e “vermouth”

De destacar outros cartazes realizados pela Empreza do Bolhão, como “Vinho do Porto/Ramos Pinto/Torna os Fracos Fortes”, que apresenta um pinto a beber pela garrafa sobre um fundo preto; “Vermouth Vasconcellos/Tónico, Aperitivo, Efficaz”, com uma idosa conversando com crianças e uma garrafa envolvida por uma figura em que a cabeça é um V; “Prove Que Gosta… É Valente Costa” mostra uma garrafa preta sobre um fundo geométrico; “Aragão/O Grande Vinho do Porto”, representa dois oficiais fazendo um brinde; “Porto Amadeu/Tão Puro como A Uva” destaca uma camponesa segurando um cesto de uvas com duas garrafas à frente; “Porto Amadeu/O Mais Nobre dos Vinhos” ilustra uma garrafa do produto em primeiro plano sobre a imagem da cidade do Porto; “Vinhos da C.ª Velha 1756/Quasi Dois Séculos Vos Contemplam!…”; “Vermouth Martini”, de Bofarele – 1929-1940, mostra uma figura masculina caricata saltando de alegria com uma garrafa na mão esquerda e um copo cheio na outra; “Sente-se no Céu – Vinho do Porto Sampaio”– 1940-1950, representa um homem sentado sobre as nuvens com um copo cheio numa mão; e “Porto Andresen” – 1943, cria um homem de turbante branco, olhando para um cálice, um desenho muito simplificado da figura sobre um fundo plano azul.

A colecção da Empreza do Bolhão apresenta, assim, um conjunto magnífico de cartazes que, através de uma publicidade cuidada, que não dependeu exclusivamente da sua estética ou do seu poder persuasivo mas também da sua habilidade para ser precisa, expressa mais do que a simples imagem de uma marca: a pura natureza da sua autenticidade.

Theresa Bêco de Lobo

Theresa Bêco de Lobo

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *