Maria Lamas I Homenageada na Gulbenkian

Maria Lamas I Homenageada na Gulbenkian

Na memória dos que a conheceram é um símbolo de ousadia, de solidariedade e de inovação. Cedo se tornou uma referência afeactosa do século XX. Agora é homenageada com uma exposição na Fundação Gulbenkian comissariada por Jorge Calado.

Maria da Conceição Vassalo e Silva, imortalizada como Maria Lamas, nasce em 1893, em Torres Novas, no seio de uma família burguesa.  No colégio de freiras onde estudou, logo demostrou um talento precoce para a escrita. Aos 15 anos sai do Convento de Santa Teresa, vivendo o clima agitada da proclamação da República. Em 1910 casa com Ribeiro da Fonseca, pioneiro da nossa aviação, e pouco depois nascem Maria Emília e Manuela, mas a relação acaba em divórcio, raro na altura. Maria Lamas tem 25 anos, está desempregada e com duas filhas a seu cargo. Através de Virginia Quaresma, jornalista da “Agência Americana de Notícias”, entra em contacto com a imprensa. Colabora no “Correio da Manhã” e na “Época”, coordenando as páginas infantis. Em 1921 casa com o jornalista Alfredo da Cunha Lamas, cujo apelido adoptará. No ano seguinte nasce a sua última filha, Maria Cândida. Aos 30 anos, Maria Lamas inicia a carreira literária com o livro de versos “Humildes”, usando o pseudónimo de Rosa Silvrestre. Passa a colaborar, como jornalista, na revista Civilização. 

“O jornalismo foi a minha grande escola. Foie le que me fez tomar consciência da possibilidade de me exprimir escrevendo, dando-me confiança para o fazer”, afirma numa entrevista quase no fim da vida.

Em 1928 entra para o jornal “O Século”, por intermédio de Ferreira de Castro, passando a dirigir o suplemento “Modas e Bordados”, uma das raras publicações femininas da época.

Mulher inovadora

Para que a revista chegue às muheres mais desfavorecidas, Maria Lamasinicia um grande reodelação. A sua coluna “Correio da Joaninha” obtém um enorme êxito. Nela, com o pseudónimo de tia Filomena, responde a cartas de leitoras mais jovens.

Maria Lamas publica, entretanto, diversos livros infantis que conhecem grande êxito. Lguns são reeditados nos anos 70 e 80, estando hoje esgotados.

Com a autorização do então director de “O Século”, João Ferreira da Rosa, a escritora organiza uma exposição sobre a mulher portuguesa. Durante meses recolhe um extenso material desde o tear de uma artesã de Trás-os-Montes até à mesa de trabalho da escritora Carolina Michaelis de Vasconcelos.  Durante dois meses as 11 salas do jornal são visitadas por milhares de mulheres de todas as classes sociais. Maria Lamas é condecorada pelo Presidente da República, Óscar Carmona, com o Ordem Militar de Santiago de Espada.

Em 1935 publica o romance “Para lém do Amor” que obtém assinalável receptividade pela sua ousadia e inovação. “Ao imaginar o livro tive duas preocupações: ser sincera e ser mulher”, explicou.

Organixa, entretanto, uma exposição sobre tapetes de Arrailos, executados pelas reclusas da Cadeia das Mónicas. Pouco antes da inauguração, Maria Lamas consegue que as presas visitem a exposição.

As diversas iniciativas culturais de Maria Lamas tornaram a revista “Modas e Borfdados – Vida Feminina”, uma publicação altamente lucrative.

Em 1975, aos 82 anos, Maria Lamas afirma: “Eu tinha a  fama de ser muito atirada para a frente. Sempre fui e sou insatisfeita. Ser insatisfeita significa querer descobrir o mundo”. 

Campanhas de alfabetização 

No final da II Guerra Mundial. Maria Lamas assina as lista do Movimento de União Democrática. “Foi o meu primeiro acto politico”.

No ano seguinte é eleita presidente do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, fundado no início do século e praticamente desactivado. Maria Lamas, com energia e perseverança, desenvolve-o. As actividades sucedem-se. Organiza campanhas de alfabetização e luta pelos direitos cívicos, sociais e politicos das mulheres, especialmente das mais carenciadas.

Na Sociedade de Belas Artes organiza a exposição “Mulheres Escritoras de todo o Mundo”, apoiadas por inúmeras embaixadas que cedem livros, filmes e documentos. Como complemento algumas pintoras portuguesas, caso de Maria Keil e Maria Clementina de Moura, desenham uma extensa galleria de rostos. 

Maria Lamas acha que a iniciativa é um “ponto de partida para a valorização da mulher e da defesa das suas injustiças”. 

Amizade com Yourcenar

Tradutora de Marguerite Yourcenar, notável a versão portuguesa das “Memórias de Adriano”, Maria Lamas guardou com especial ternura a carta que a grande escritora francesa lhe enviou durante a sua estadia em Sintra: no ano de 1960 “É uma honra ser traduzida por si”, escreveu-lhe Yourcenar. 

As duas escritoras encontraram-se pela primeira vez em Évora, onde Maria Lamas a recebeu na casa que ali habitava. Numa tarde memorável, Yourcenar surpreendeu todos com um recital de poesia em grego, evocou-nos Maria Cândida Lamas Caeiro. 

A filha de Maria Lamas guardou e organizou o espólio da mãe, constituido por cartas, fotografias, documentos biográficos e manuscritos que a Biblioteca Nacional guarda desde 1993.

Viver das populações 

Aos 54 anos, a escritora inicia a investigação para a obra “As Mulheres do Meu País”. Durante três anos percorre o continente e ilhas, captando a maneira de viver das populações rurais femininas.

Viajou de burro e de carro de bois, chegou a dormer ao relent e em palheiros. 

A sua reportagem, publicada em fascículos, entre 1947 e 1950, profusamente ilustrada por fotos, impõe-se, desde logo, como um estudo valioso e único, entre nós. 

O livro, reeditado em 2002, é considerado um estudo etnológico ´de enorme valor.

As fotografias, todas da autoria de Maria Lamas, impõem-na dada a qualidade, como uma fotografa de enorme sensibilidade.

Maria Lamas desaparece em 1983, aos 90 anos, lúcida e atenta. “Desapareço e deixo isto como encontrei, Sinto pena porque se a realidade já estava mal, agora encontra-se pior”.

António Brás

António Brás

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