Legados e doações enriquecem o Estado II

Legados e doações enriquecem o Estado II

2ª Parte

Médias doações ou legados

O grosso das ofertas efectuadas em quase todas as localidades e épocas, por diversas gerações, pode ser classificado como de “médias doações ou legados”. O Museu do Traje, em Lisboa, tem recebido centenas. As suas reservas (cerca de 40 mil peças) têm permitido apresentar a história do traje em Portugal.

As doações constituem 90% dos fundos do museu, desde alta-costura francesa, traje de ateliers portugueses, roupas populares, jóias, leques, brinquedos, bonecas e mobiliário.

O Museu dos Biscainhos, em Braga, apresenta artes decorativas dos séculos XVII, XVIII e XIX, destacando-se portugueses, as porcelanas da Companhia das Índias, as faianças, os vidros, as esculturas sacras e um enorme núcleo de metais. O conjunto foi legado por José Maria Costa Júnior, Maria Delfina Sousa Cardoso e Maria Celeste Costa Júnior.

A exposição revela enormes lacunas, no mobiliário predominam cópias do século XX, a pintura com retratos de reis, príncipes e cenas religiosas é de fraca qualidade, e a prataria encontra-se praticamente ausente.

O museu preserva, ainda, um núcleo de joalharia, a maioria populares, constituído por 89 peças dos séculos XVIII ao XX, vestuário oitocentista, leques e nas reservas brinquedos, registos em papel e cerâmicas de cariz popular.

 Pequenas doações

 As pequenas doações têm, em geral, um significado mais afectivo que patrimonial. Trata-se, na maioria, de reduzidos conjuntos caracterizados pelo seu ineditismo e exotismo. Muitos são pequenas obras de arte encantatórias ou simplesmente curiosas.

O Museu do Teatro, hoje com um acervo de 300 mil documentos, é um local de afectos e memórias, praticamente tudo foi oferecido por actores, encenadores, desenhadores e o público. Amélia Rey Colaço entregou todo o acervo da Companhia Rey Colaço Robles Monteiro, a empresa teatral que mais tempo durou na Europa; Amália Rodrigues cedeu vestidos de cena e fotografias que cobrem toda a sua actividade; a família do pintor modernista António Soares doou todos os estudos para cenários de inúmeras peças teatrais; Elisa de Guizete legou todo o vestuário; os descendentes do dramaturgo D. João da Câmara enriqueceram o museu com manuscritos e penas.

Quase diariamente surgem, com efeito, pessoas a fazer entregas. Desde um neto da actriz Virgínia que trouxe um sumptuoso vestido de palco de 1882, até público anónimo a desfazer-se de programas longamente guardados.

Escassas aquisições

 Dado o alheamento do Estado português (não encomenda, não compra, não restaura, não conserva, não divulga, não incentiva, como lhe competia), o País fica, assim, a dever o enriquecimento do seu, nosso, património aos colecionadores privados. Nas últimas três décadas, a situação parece, no entanto, estar a alterar-se. O extinto Instituto de Museus, nas direcções de Simonetta Luz Afonso e Raquel Henriques da Silva, adquiriu pinturas de Frei Carlos, José Malhoa, Rene Bértholo, Jorge Pinheiro e Armando de Basto, Fernando Lanhas; desenhos de Domingos Sequeira, Mario Eloy; esculturas de Canto da Maya, Arlindo Rocha, Virgínia Frois e Rui Chafes; instalações de Miguel Palma, Rui Serra e Ângela Ferreira; vídeos de Alexandre Estrela e João Onofre; colchas indo-portuguesas e de Castelo Branco; móveis dos séculos XVI a XIX; faianças do Rato e de Maasarelos; porcelanas da China; jóias e pratas portuguesas; azulejaria, bem como os espólios de Maria Keil.

Recentemente, a Direcção-Geral do Património adquiriu pinturas do Mestre de Santa Clara, de Francisco Venegas, de Vieira Portuense, Domingos Sequeira e do circulo de João de Borgonha, um centro de mesa italiano em prata de 1800, um alfinete de Castellani oferecido pela cidade de Nápoles a D. Maria Pia, um raro móvel português setecentista assinado por Aniceto Raposo, e um conjunto de arte contemporânea da colecção de Isabel Vaz Lopes.

O mecenato acaba, por sua vez, de apoiar inúmeras incorporações, caso o Museu de Évora na compra de um quadro de Álvaro Pires, e o Palácio da Ajuda incorporou centenas de espécies através desta modalidade. As doações têm sido constantes na Ajuda desde os anos 80, destacando-se o ourives Américo Barreto que entregou caixas de rapé, pratas e imaginária indo-portuguesa; Marionela Gusmão doou uma pega de sombrinha em ouro de D. Maria Pia; Eduarda Segura de Faria que ofereceu um tapete persa, um busto de D. Pedro V de Calmels e o óleo sobre cobre “Cristo com a Cruz”, outrora das colecções reais

Reservas, recusas e alienações

 Parte substancial das espécies doadas ou legadas acabaram, por falta de espaço, de segurança, de conservação e de interesse, nas reservas de museus e palácios. Foi que aconteceu, por exemplo, com colecções orientais doadas ao Museu Machado de Castro por Camilo Passanha e Teixeira Gomes, e com as 500 peças ásiaticas oferecidas por Nascimento Leitão ao Museu de Aveiro.

Outras obras tiveram por destino a decoração de edifícios públicos, como a mobília D. José que decora o quarto principal na ala D. Maria do Palácio de Queluz (reservada aos chefes-de- Estado de visita ao nosso país); a baixela Thomire que ornamenta a sala de jantar do Palácio de Belém, e quadros de Eduardo Malta levados para a nossa embaixada em Paris. Nos últimos anos, diversas instituições têm, entretanto, vindo a declinar ofertas. Isso aconteceu, por exemplo, ao recheio de uma moradia no centro de Lisboa legada pela viúva do empresário António Sardinha ao Museu de Arte Antiga, constituída por cópias de mobiliário, pratas de molde e porcelanas oitocentistas; o Instituto de Museus não aceitou pinturas de Veloso Salgado e Lazaro Lozano, e a Fundação Gulbenkian recusou a biblioteca de Moreira Rato.

Se dar aos pobres é, como diz o povo, emprestar a Deus, dar ao povo (à comunidade) é emprestar (comprar) à história, à memória, o não esquecimento, ou seja a eternidade – possível.

Museus de privados

Entre os museus fundados por particulares e que receberam obras importantes, evidenciam-se os das fundações Ricardo Espírito Santo e Medeiros e Almeida, em Lisboa; os museus de Castro Guimarães, em Cascais; de Egas Moniz, em Estarreja; de Nogueira da Silva, em Braga; de Teixeira Lopes, em Vila Nova de Gaia; de Guerra Junqueira, de Marta Ortigão Sampaio e Maria Isabel Guerra Junqueiro, no Porto; de Bissaya Barreto, em Coimbra; de José Régio, em Portalegre e Vila do Conde; de Eugénio de Almeida, em Évora; de Abel de Lacerda, no Caramulo; da Quinta das Cruzes e Frederico de Freitas, no Funchal.

António Brás

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