Veneza em Festa I Na Fundação Calouste Gulbenkian

Veneza em Festa I Na Fundação Calouste Gulbenkian

Quando falamos de Veneza não é apenas uma cidade que surge nas palavras e memória porque Veneza é um lugar e os lugares quando são especiais ficam connosco para a vida. Nas memórias que revisitamos em pensamento, mas também nas imagens que observamos em galerias, livros e álbuns, desvendamos pormenores e somos transportados em pasmo e sedução até à cidade flutuante.

 Veneza é um mundo pleno de lenda e de uma beleza antiga e transcendente que provoca uma emoção especial e uma irresistível vontade de nos perdermos na sua luz e nos fundirmos nas suas sombras. E tudo porque em Veneza encontramos uma aura indizível de mistério e sedução que a sua provecta idade acentua e nos apaixona irremediavelmente. Os 117 canais por onde deslizam gôndolas elegantes, as 400 pontes de um romantismo intemporal, os inúmeros edifícios tão plenos de História e testemunhas silenciosas de festas, prosperidade, dramas e crises, de tudo se veste Veneza e tudo nela é único e vibrante. Parafraseando o que no catálogo o director do Museu Calouste Gulbenkian, António Filipe Pimentel, escreve Veneza é uma “verdadeira obra de arte, digna de ser retratada”.

No século XVIII, a rainha do Adriático era uma cidade-estado que vivia o seu último século como república independente antes de ser conquistada por Napoleão em 1797. Cidade cosmopolita, Veneza era uma atração para muitos viajantes vindos de toda a Europa que encontravam nas pinturas da época a reprodução da sua fervilhante vida e a oportunidade de a levarem consigo na eternidade de uma pintura.

A Sereníssima, nome pelo qual era conhecida numa clara manifestação do seu estatuto, continuava a manter, em pleno século XVIII, o papel de grande pólo da cultura e da arte. Um centro emoldurado num cenário tranquilo e belo que se tornou protagonista nas telas de Antonio Canaletto(1697-1768), Francesco Guardi (1712-1793), os mais reconhecidos, e de tantos outros como Giambattista Piazzetta (1682-1754), Giambattista Tiepolo (1696-1770), Pietro Longhi (1702-1785), Bernardo Bellotto (1720-1780). 

A cidade dos canais teria o seu exotismo requintado imortalizado em obras amplamente apreciadas pelos que a visitavam e que agora se encontram expostas na galeria principal da Fundação Calouste Gulbenkian até ao próximo dia 13 de Janeiro. A oportunidade de, sem sair de Lisboa, visitar Veneza pela mão dos pintores já aqui referidos é imperdível. Num amplo espaço e com um ambiente que ajuda a sublinhar o brilho e o pulsar da cidade, apresentam-se 50 obras oriundas sobretudo das colecções da Fundação Gulbenkian e do museu Thyssen-Bornemisza de Madrid. 

Veneza em Festa. De Canaletto a Guardi é uma exposição apaixonante que oferece ao visitante a experiência de deambular pelas ruas e canais, contemplar edifícios, pontes, praças, deslumbrar-se com os desfiles onde não falta o bucentauro (o barco cerimonial do doge) e mergulhar na luz e cor de uma cidade alegre.

“Veneza foi, talvez, a cidade mais reproduzida em termos festivos na história da pintura”, afirma Luísa Sampaio conservadora do Museu Gulbenkian e curadora da exposição e de facto, as regatas e celebrações da cidade, quer profanas, como o seu famoso Carnaval, quer religiosas, como a da Ascensão, ficaram imortalizadas através da pintura veneziana do XVIII. Uma pintura que “ contraria o tenebrismo do religioso e abre-se, com Marco Ricci [1676-1730], à luz, à cor, à emoção”, como explica Luísa Sampaio.

Quem visitar a exposição será ainda surpreendido com a atmosfera criada pelos sinos e gaivotas que se ouvem graças aos 16 pontos de som existentes e para os que não podem observar as obras através do olhar existem seis estações tácteis. Pela galeria temos também a oportunidade de observar objectos expostos em vitrines relacionados com as pinturas e gravuras como o modelo de um bucéfalo, um pedaço de tecido ricamente bordado, três volumes com encadernações de luxo ou até uma imponente escultura de Antonio Corradini (1688-1752), que chegou a ornamentar a entrada do palacete de Calouste Gulbenkian em Paris e representa Eneias transportando seu pai Anquises e os Penates seguido pelo jovem Ascânio. 

A aventura por esta Veneza tão distante, mas que nos canta ao ouvido os ecos da sua alegria, é uma deliciosa viagem no tempo. Através das vedute, género pictórico de paisagem urbana, as feste, subconjunto das vedute que retrata as grandes celebrações venezianas e os caprichos, paisagens reais às quais os pintores adicionavam elementos arquitectónicos inexistentes, vamos bebendo daquela atmosfera sedutora e inebriante que o ambiente criado ajuda a acentuar.

Veneza, a “little Venice“, como lhe chama Sampaio, “foi descrita e pintada vezes sem conta e, de todas as cidades do mundo, é a mais fácil de visitar sem lá estar.” escreve Henry James, um dos autores citados nas paredes da exposição. E a sedução continuou além do século XVIII como nos confirma os  três quadros do século XIX que nos mostram outros olhares sobre a cidade:  uma aguarela do americano John Singer Sargent e dois óleos sobre tela dos franceses Félix Ziem e Jean-Baptiste-Camille Corot. 

Para quem não conseguir visitar a exposição em Lisboa, terá ainda oportunidade de o fazer em Madrid onde será apresentada na capital espanhola nos primeiros meses de 2025, ainda sem data fixa.

                                                                       Paula Timóteo

Paula Timóteo

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