Educação I Fingir que Educamos
«… a educação para os valores, numa sociedade que não estimula o altruísmo, é mais necessária do que nunca.»
Daniel Sampaio
Excerto do seu livro: ‘Da família, da escola, e umas quantas coisas mais’.
A Escola é, a par da família, o núcleo duro da Educação de um indivíduo. Se observarmos a etimologia da palavra “indivíduo”, ficamos a perceber que à partícula “in” que determina a negação junta-se o adjectivo “dividuus” (divisível) do que se conclui que “indivíduo” significa o que não pode ser dividido. É uno e apenas na sua totalidade se apropria da existência, mas há um outro significado associado à palavra que acaba por lhe conferir carácter polissémico porque o indivíduo, não sendo divisível, também se assume como único e original. O indivíduo que a Escola recebe desde os primeiros anos de vida foi forjado pelo código genético herdado, mas vai sendo moldado ao longo do seu crescimento pela educação que recebe porque educar é alterar, é transformar.
Saber que papel compete a cada protagonista do processo educativo é o primeiro patamar para que daquele possa resultar cidadãos cientes dos seus direitos e deveres, capacitados para construir pilares, subir patamares no edifício social e oferecer contributos criativos que façam o mundo pular e avançar. Mas saber o papel que desempenhamos implica ter a noção de que ele não pode obedecer a um guião cego, nem deve cumprir um programa computorizado ou resultar de uma fórmula contabilística. Para sermos educadores, em família ou fora dela, necessitamos de ser dotados de um inegociável sentido ético, fiel ao que devem ser os parâmetros reais de qualidade escolar/educativa. Hoje, a complexidade que envolve o processo educativo nas escolas não deriva da escassez de meios tecnológicos à disposição dos profissionais de ensino que em épocas recuadas existia. Na larga maioria das escolas, computadores, manuais, projectores e quadros interactivos abundam e até coexistem em duplicado. O mais difícil, actualmente, é assumir de forma consciente de que o sucesso educativo de uma escola é muito mais do que fingir dados estatísticos, preencher tabelas, construir gráficos coloridos, usar terminologia de guerrilha empresarial, aceitar alunos com problemáticas que a escola ignora como resolver, mas faz de conta que sim e faz de conta que pratica a vã bandeira da inclusão. Ser Escola é saber olhar para os alunos como indivíduos em processo de crescimento na sua condição única de seres indivisíveis e sem esquecer que os queremos plenos de conhecimentos capazes de serem artífices de pensamento próprio, novo e bom!
A Escola é povoada por uma larga maioria de profissionais que vive sob o efeito de um constante medo. O século XXI está a finalizar o primeiro quartel e continuamos com medo. Ou por outra, regressou um medo que pensávamos extinto, que gostaríamos que estivesse extinto. Teme-se que um tom mais criticista adoptado numa qualquer reunião ou numa conversa com colegas possa resultar em prejuízos profissionais, temem-se as redes de informação dissimuladas e delatoras, temem-se penalizações disfarçadas em horários maus, turmas difíceis, avaliações prejudiciais. Mais, teme-se que uma postura abertamente opositora a políticas de escola pautadas pelo unilateralismo da direção, possa conduzir à abertura de procedimentos disciplinares. E os poderes intermédios estão destinados aos que de forma absolutamente subserviente aceitam sem pestanejar nem questionar tudo o que lhes é exigido mesmo que o que lhes seja pedido seja um disparate. A somar a este cenário há a considerar que a nova geração de docentes já é produto de uma Educação que desencoraja o olhar crítico e reflexivo e por isso assiste-se nas Escolas a uma fácil apropriação de discursos institucionais esvaziados de significado, mas que conduzem a Escola ao abismo.
Grande parte das escolas do país, não está a preparar indivíduos conscientes da sua cidadania, antes pelo contrário. A impunidade e o primado de que a escola é que tem de se acomodar ao comportamento do aluno, têm alimentado comportamentos irresponsáveis e egoístas reforçando uma visão distorcida da vida. A Escola, subserviente dos interesses políticos e familiares, vai diluindo, numa débil neblina da moral, os valores humanos que nos devem distinguir dos canibais de almas.
Ultimamente a Escola Pública voltou a inspirar um debate público sobre o seu fracasso e têm razão as vozes que acusam a Escola de não estar a cumprir bem o seu papel, mas também deveria ser reconhecido, e com o mesmo clamor, que a educação primária, aquela que as crianças recebem em contexto familiar, também não está a funcionar.
No debate que urge realizar sobre o que está a Escola Pública a fazer e a ser, dever-se-ia deixar de fora o léxico pomposo e pleno de tiques empresariais criado em laboratórios de coisa nenhuma porque é urgente começar a falar com seriedade, pragmatismo e conhecimento.
O Futuro depende da libertação da Escola do jugo da coerção e manipulação. Uma Escola presa a agendas políticas que condicionam de forma nefasta a sua missão, é uma Escola que não o é na verdade apenas finge ser. O Futuro depende da destruição de uma rede de submissão em que a Escola e os seus profissionais se encontram, reféns dos interesses económicos com influência tentacular na política governativa.
Paula Timóteo