Magestil I Uma Escola de Topo
Numa das mais emblemáticas artérias de Lisboa, a Avenida Gago Coutinho, há uma escola onde os jovens aprendem a Fazer, a Saber e a Ser. E foi ali, numa sala de requinte acolhedor, que estivemos à conversa com o Dr Pedro Lé de Matos, director e filho da fundadora, Drª Celeste Lé de Matos, falecida em 2024. Uma interessante conversa que contou ainda com os contributos da Drª Sandra Oliveira, coordenadora pedagógica e da Drª Adelaide Borges, coordenadora do Curso de Design de Moda.
A Escola profissional Magestil já soma uma história com 35 anos em que a aposta tem sido, desde a 1ª hora, a capacitação profissional de elevada qualidade dos jovens que ali procuram um futuro feliz sempre em consonância com as necessidades diagnosticadas no mercado de trabalho além de uma educação transversal nos domínios sociais. A demanda por técnicos especializados exponenciou-se sobretudo após as alterações na política educativa, no âmbito do processo histórico pós 25 de Abril. Nessa altura, o ensino técnico existente desapareceu e pouco depois os sectores económicos manifestaram a sua preocupação dada a escassez de mão de obra especializada. Mas não foi apenas o apelo feito pelo tecido empresarial que se tornou no gatilho impulsionador do projecto Magestil, um projecto que começou apenas na área da moda, mas que hoje oferece um conjunto diversificado de 12 cursos profissionais. Ir ao encontro dos anseios de jovens que não se identificam com o modelo curricular oferecido no ensino secundário, representou e continua a representar um forte factor motivacional.
“Em 1989 não havia quadros intermédios para as empresas. Na altura, o ministro da educação, Roberto Carneiro, criou as escolas profissionais aproveitando o 1º Quadro Comunitário e fazendo com que Portugal se tornasse no 1º país europeu a ter Educação profissional financiada. Naquela época, os financiamentos eram apenas destinados a projectos não sendo dirigidos para financiar os Estados membros. E sectores como a Educação e a Saúde eram considerados da responsabilidade dos Estados. Então o engenheiro Roberto Carneiro resolveu convidar a sociedade civil a ser ela a promotora das escolas profissionais e, desta forma, poder concorrer a fundos comunitários. Nasceram então as escolas profissionais muitas delas por iniciativa de autarquias, empresas, associações, sindicatos etc” explica o director dr Pedro Lé de Matos.
“A Magestil foi fundada pela minha mãe (a Drª Celeste Lé de Matos) que, como sócia de uma empresa de consultoria na área da indústria têxtil e vestuário, depressa percebeu a necessidade que os empresários tinham de profissionais qualificados no sector.
“Desta forma a Magister criou a escola Magestil com os primeiros cursos virados para o vestuário industrial abrangendo estilismo industrial e design de moda” lembra o director da escola.
Atenta aos apelos do mercado empregador, a escola foi alargando a oferta formativa a partir de 1995. Actualmente, a lista de cursos é extensa e quando olhamos para cada um percebemos claramente que ali se constroem projectos de vida em que todos ficam a ganhar: os jovens que ali acreditam vir a alcançar uma preparação formativa de excelência reconhecida no mercado de trabalho em toda a União Europeia, e ganha a sociedade em geral carecida de bons profissionais em áreas tão vitais como a saúde, a educação, a gestão, o turismo o design gráfico, o design de interiores, a moda ….
Também aqui encontramos um curso de desporto que abrange variadíssimas modalidades e é o único curso que sai das instalações para usar equipamentos de entidades externas.
O princípio norteador na construção de cada curso (todos com dupla certificação: equivalência ao 12º ano e diploma de técnico de nível 4 da EU), é “que esteja sempre de acordo com as necessidades existentes” como salienta o Dr Pedro Lé de Matos acrescentando que, no início, era a Magestil quem tinha também a responsabilidade de criar os conteúdos e programas curriculares posteriormente aprovados pelo Ministério da Educação. “Neste momento já contamos com um Quadro Nacional de Qualificações (QNQ) que regula e estrutura as ofertas educativas de nível não superior a partir do qual se estruturam os cursos aqui ministrados, mas mantendo nós a plena autonomia pedagógica. Apenas há a obrigatoriedade de constituição de turmas com 28/29 alunos contrariando um cenário inicial de 16/18 alunos”.
Se no início havia algum estigma associado ao ensino profissional encarado como última escolha de um jovem depois de muitos fracassos, agora a realidade é absolutamente diferente. “Os alunos sabem muito bem o que querem até porque quando aqui chegam já passaram por um processo de orientação vocacional, mas independentemente dessa orientação fazemos sempre uma entrevista. Hoje o curso profissional é uma 1ª escolha e feita de forma muito consciente” sublinha a coordenadora pedagógica.
A opções estratégicas da escola são sempre orientadas no sentido de se articularem com as necessidades do mercado de trabalho e o director recorda um episódio ilustrativo “Há uns anos, nesta mesma sala onde nos encontramos, sentou-se um dia a então ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, solicitando ajuda para que fosse criado um curso na área da saúde para formação de auxiliares com formação especializada. Esta escola, juntamente com outras três, viria a ser pioneira na criação do curso que tem 100% de saída profissional”. Mas existem mais exemplos como o do curso estreado este ano de Serviços Jurídicos. Também neste caso “a escola correspondeu a uma insistente procura de profissionais nesta área, por parte quer de escritórios de advogados, quer de solicitadores, quer de tribunais”.
Ou seja, há a preocupação de dar resposta às necessidades existentes reportadas pelo próprio mercado ou diagnosticadas pela escola, mas não é apenas o desejo de corresponder às necessidades que determina as decisões da Magestil porque a escola não avança com nenhum curso sem ter a garantia de que as condições estão reunidas. O primeiro requisito tem de cumprir um princípio que se funde com a alma da escola: o de ter professores que se encontram no activo, como explica o director da Magestil:
“Fazemos questão de ter professores que estão inseridos na realidade, a trabalhar no terreno e este é um dos aspectos que distingue esta escola profissional de um curso profissional oferecido nas escolas secundárias porque aqui são profissionais, especialistas das áreas específicas que estão a leccionar. Por exemplo, o coordenador do curso de saúde é o director do serviço de urgências de pediatria da CUF Descobertas.”. Outra distinção apontada encontra-se ao nível dos recursos existentes e da formação oferecida aos professores para que possam usar e optimizar a sua utilização. Pensando no design de moda, o Dr Pedro Lé de Matos apresenta-nos um exemplo “enquanto coexistiram dois dos mais avançados sistemas, a Letra e a Gerba, a Magestil trabalhou sempre com os dois para que quando os jovens fossem para uma empresa, nacional ou estrangeira, onde necessariamente um dos dois sistemas estaria a ser adoptado, já estar capacitado. Actualmente continuamos a trabalhar com a Letra, que absorveu a Gerba e recentemente a escola foi contemplada, no âmbito do PRR, com o Centro Tecnológico para a indústria o que nos permite renovar equipamento elevando ainda mais o nível de topo que já tínhamos”.
A professora Adelaide Borges, que está ligada ao projecto desde praticamente o seu nascimento, primeiro como professora de design de moda e mais tarde como coordenadora, destaca o facto de não bastar possuir os equipamentos, “porque é fundamental ter formação necessária para se saber trabalhar com eles.”
Num curso tão exigente do ponto de vista de destreza, como o design de moda, quisemos saber sobre as características que deve possuir um aluno nesta área e a professora Adelaide foi pronta a esclarecer que a habilidade de desenho não faz de ninguém um bom designer “ao contrário do que se pensa não é por se ter aptidão em desenhar que se é um bom designer de moda porque este não é um desenhador, um artista visual. Ele apenas necessita de conseguir que o projecto que idealiza é entendido. É evidente que necessita ter alguma habilidade no traço para transmitir o que pensa e essa qualidade facilita muito no contacto com as empresas cativando-as mais facilmente, mas o mais importante é dominar normas de pesquisa analisando-as, identificando o importante e distinguindo-o do acessório, conseguir perceber os gostos que se antecipam possuir capacidades de visão espacial. E não esquecer o perfil de liderança porque um designer lidera uma equipa. Já houve casos, poucos, na verdade, em que se percebeu que um determinado aluno, apesar de ser muito bom a desenhar, estaria melhor em artes. Depois ainda temos a particularidade dos calendários. Um designer está constantemente a gerir tempos, prazos para finalizar projectos ao contrário de um artista plástico. Por exemplo, neste momento há alunos do 3º ano a prepararem a coleção Primavera/Verão 2026”.
Quanto às preferências de escolha dos alunos entre a oferta formativa disponibilizada pela escola, o director considera que “o curso de design de moda sempre foi um curso com muita procura até porque há pouca oferta e a Magestil é uma referência, mas a maior ou menor procura por uma determinada área rege-se por vezes por factores invisíveis e difíceis de explicar. Por exemplo, este ano o curso de serviços jurídicos teve bastante procura”.
Sendo um ensino financiado pelo Estado, os alunos do escalão A do ASE (Ação social escolar) estão totalmente isentos, do escalão B pagam 50% e os restantes pagam uma mensalidade de apenas 60€ correspondente ao usufruto do centro de actividades e recursos que disponibiliza todo os softwares gratuitos, acesso aos computadores, impressões gratuitas, clubes.
A Magestil é uma escola de topo fruto de um Plano Educativo que não se limita à formação e ensino em salas de aula. No curso de moda é realizada anualmente uma viagem de estudo e trabalho. “No 1º ano os alunos vão ao norte visitar fábricas têxteis, no 2º ano a viagem tem como destinos Toledo e Madrid no âmbito do estudo de Design de Moda, História de Arte e formação em contexto de trabalho e aproveitamos também para visitar a ARCO e museus. No 3º ano o destino é Paris. Na capital francesa, a par de uma visita cultural pela cidade e um périplo pelas casas de marcas que todos os designers cumprem, e onde os alunos são muito bem recebidos, há a entrada na Première Vision” explica a professora Adelaide Borges. Na Première Vision, que é uma das mais importantes feiras internacionais do sector de moda e uma referência obrigatória para os profissionais e estudantes de produção de moda, “os alunos assistem aos fóruns de moda, a talk shows e escolhem os tipos de tecidos para as suas coleções de 2026. As empresas conhecem a credibilidade da escola e por isso enviam os catálogos com base nos quais os alunos irão fazer as suas opções. Este ano a escola irá levar 95% dos alunos do curso de moda o que é representativo do esforço das famílias que desde o 1º ano se preparam para esta despesa encarada como um investimento de grande valor na formação dos jovens”.
Os eventos multiplicam-se como jornadas, concursos, desfiles de moda e parcerias importantes como o convite que ali chegou da embaixada da Tailândia, a propósito das festas da amizade que une Portugal e o reino da Tailândia. Para as festividades os alunos da Magestil criaram uma colecção com tecidos disponibilizados pela própria embaixada e que teve um forte impacto positivo. A professora Adelaide salienta ainda outros projectos recentes representativos de um compromisso da escola com a inovação e que mostram a credibilidade que já conquistou “em 2024 os alunos finalistas do curso de Design de Moda foram desafiados pela Caetano Baviera a criar peças inspiradas na nova geração de veículos MINI e também aceitaram outro repto, lançado pela MEO e pela marca MOCHE, para criarem designs exclusivos para hoodies e sweatshirts alusivos ao Natal, que posteriormente foram comercializadas nos canais de venda da MEO, na loja física, incluindo o Wonderland Lisboa”. Os desafios não se ficaram por aqui já que a convite da DJINN e da Cinemundo os alunos do 2.º ano criaram fatos inspirados na dualidade de “Wicked” para a antestreia do filme, no Cinema São Jorge.
“Para além do talento demonstrado, importa sublinhar o profissionalismo, a conduta ética e a dedicação dos alunos, que representaram a Escola de forma exemplar. Estas iniciativas são a prova de que a Moda vai muito além do design – é uma forma de expressão, uma ponte entre criatividade e indústria, e um reflexo da identidade de quem a cria.” Sublinha com justificado orgulho a professora Adelaide.
A credibilidade da escola evidencia-se num reconhecimento internacional a outros níveis já que foia primeira escola portuguesa a receber, em 2015 no Parlamento Europeu, o The Entrepreneurial School Award, um prémio que reconhece o envolvimento local, nacional e europeu na educação para o empreendedorismo.
Esta certificação espelha a valorização do trabalho desenvolvido pela Escola, um reconhecimento reforçado com o facto de ser uma das primeiras 5 escolas portuguesas distinguida como Changemaker Schhool pela Ashoka, a maior associação de empreendedores sociais do mundo e pelo facto da escola estar acreditada no âmbito do Programa Erasmus.
Mas a Magestil não se assume apenas como uma escola onde se faz uma aprendizagem que confere aos que concluem os estudos um diploma de nível 4. Para os jovens que ali são confiados, a escola representa um portal para um futuro feliz onde o destino sonhado se cumpre ao mesmo tempo que se promovem valores que por vezes parecem esquecidos ou em crise. “No 1º ano de ingresso todos os cursos obrigatoriamente envolvem-se num projeto de solidariedade social. Este ano, por exemplo, desenvolveu-se um trabalho em parceria com o Exército de Salvação e a junta de Marvila dirigido a pessoas que se encontram em processo de reintegração depois de uma fase em que viveram sem abrigo.” Explica a coordenadora pedagógica.
É fácil perceber que quem procura a Magestil sabe da credibilidade que a escola tem no mundo empresarial, dentro e fora de Portugal, e por isso há a confiança de que dali saem jovens com um excelente domínio das aptidões e com uma confortável certeza de trabalho à sua espera. E o rigor expressa-se também na forma como ali não se condescende com posturas menos adequadas porque cada jovem é educado também nos domínios do Ser para que se possa assumir como um profissional responsável, rigoroso, cumpridor. Como explica a professora Adelaide Borges “em certos casos os jovens ainda vêm com a postura clássica de testar o professor, mas acabam por perceber que se não houver disciplina na sala de aula, nada se consegue. Os alunos entendem perfeitamente as bitolas que nós colocamos e gostam de regras e de exigência. Reconhecem que a equipa está do lado deles. Eu até costumo colocar uma música ambiente quando eles estão a trabalhar porque noto que acabam por ficar mais serenos e tornam-se mais produtivos. No início detestam, mas mais tarde são eles próprios que me pedem para a colocar. O que também sentimos e nos preocupa é que muitas famílias se demitiram de exercer a autoridade acabando por ter muita dificuldade em gerir as situações que surgem, chegando a pedir-nos ajuda nesse sentido”.
O actual director não esquece as lições da mãe e por isso lembra que “uma escola é escola quando sabe adoptar estratégias pensadas para cada aluno. E quando sentimos que esgotámos todos os planos e métodos sem resultado, resta sempre um segredo final: o amor. A minha mãe costumava perguntar: “sabe amar? Então, ame” porque é com amor que se vai lá e estes jovens precisam muito disso” realça.
Com uma história de 35 anos é inevitável querermos saber que diferenças são sentidas nos jovens actuais em comparação com os do início “é curioso que, apesar de terem mais liberdade, parece que têm menos competências sociais o que os limita, por exemplo, quando têm de fazer uma apresentação oral de um trabalho. Reparamos que por vezes em momentos de pausa são capazes de estar sentados em grupo, mas ninguém fala com ninguém porque estão todos nos respectivos telemóveis. Outro aspecto que também verifico nos alunos que nos chegam é a sua falta de cultura geral. É assustador o que constatamos e é preocupante porque trata-se de um pré-requisito estruturante. O mais grave é assumirem uma atitude de desinteresse que me leva a dizer-lhes muitas vezes que o que está mal não é não saberem, mas sim o não quererem saber. Importa perceber que, por exemplo, em moda, temos de mobilizar referências culturais que já deviam estar assimiladas e acabamos por ser obrigados a fazer um trabalho que já não seria expectável ter de fazer neste nível” explica a professora Adelaide.
“Mas também é encantador ver a evolução dos alunos e comparar a forma como entram no 1º ano, como estão no 2º e depois quando saem. Mas também temos de ter a noção de que não é só através do ministrar conhecimento que se conseguem resultados, mas grande parte da forma como alcançamos o sucesso é quando incutimos entusiasmo. Costumo dizer que sou só uma agricultora de vontades e saberes.” Conclui com uma convicção indisfarçável.
“Os alunos saem tão bem preparados como há uns anos, mas agora a diferença é que para se alcançarem os mesmos resultados é exigido um maior esforço por parte da escola porque os alunos chegam aqui muito menos preparados e menos disciplinados. Acrescenta o director.
A exigência é, pois, um dado inegociável e transversal a todos os parâmetros da escola. Com um horário que pode começar às 8h30 e chega a cumprir 7 horas diárias de aulas, para além dos projectos que os alunos têm de realizar, não há hipótese para distrações nem atrasos. Mas o interesse na frequência dos cursos tudo supera e fica aliás bem patente nos jovens que diariamente se deslocam de longe como os que vêm de Santarém, Torres Vedras, Setúbal, Cadaval… e a professora Adelaide recorda até o caso de uma aluna que vinha de Beja todos os dias. “Os que por vezes se atrasam são os que vivem perto” salienta o Dr Pedro com um sorriso sublinhando que além do desgaste resultante das deslocações e horas em aulas é preciso salientar que “os alunos dos cursos profissionais acabam por estar mais sobrecarregados dos que os do secundário porque, para além das disciplinas curriculares obrigatórias e transversais, há a componente técnica e prática bastante exigente”.
A maioria dos alunos, quando finaliza aqui o seu percurso, deseja continuar os estudos no ensino superior especialmente ao nível da moda. E é também a este nível que se evidencia a elevada qualidade formativa da escola porque acontece muitas vezes os alunos sentirem no 1º ano da universidade que nada de novo estão a acrescentar ao que já aprenderam. Aos que vão estudar para fora de Portugal é vulgar acontecer que “quando é apreciado o seu portfólio por parte das instituições de ensino muitas vezes passam logo para o 2º ano e até já aconteceu passarem directamente para o mestrado”.
Num tempo em que sentimos que a Escola, enquanto construtora de um futuro mais humanista, justo e em crescimento equilibrado, está em crise, e o nosso artigo sobre Educação fala exactamente disso, vale a pena olhar e conhecer projectos educativos, como os da Magestil, que formam saberes práticos e teóricos sem abdicar de promover uma sólida formação ética na edificação de cidadãos completos, inteiros, abertos ao mundo e felizes.
Paula Timóteo