Educação I Afinal o saber ocupa “mesmo!” lugar…
A Educação escolar tem sido uma das áreas nas sociedades humanas que mais alterações tem sofrido nos seus fundamentos doutrinais, umas vezes para seu benefício outras nem por isso. Desde os alvores da humanidade que o processo de ensino-aprendizagem se confunde com a nossa existência e é tão natural como o ar que respiramos. Desde os recolectores que necessitaram, certamente, de ensinar como caçar, como preparar peles e fazer o fogo, até aos nossos dias onde se multiplicam as aprendizagens abstractas e concretas, o processo de transmissão do conhecimento transitou de uma forma de o fazer baseada no empirismo e intuição, quanto aos métodos aplicados, para algo que exige formação específica e contínua.
No último século podemos, grosso modo e não entrando, obviamente, em aprofundamentos científicos, falar da forma como a importância da memória tem sido encarada ao nível das aprendizagens escolares. De um ensino onde se sobrevalorizava a memorização, especialmente no nível primário e liceal, ao mesmo tempo que se desencorajava o pensamento crítico, analítico e de compreensão dos fenómenos científicos e sociais, passámos para uma fase onde se demonizou a acção de decorar. Com mais ou menos nuances, tudo passou a ter de ser aprendido através unicamente da compreensão, um ensino centrado nas apetências dos jovens estudantes, ajustando-se e acomodando-se ao aluno, subalternizando o conhecimento científico e o esforço em prol da permanência dos alunos dentro dos muros da escola.
Entretanto, foram surgindo estudos que apontam para a valorização da memória salientando o seu papel no desenvolvimento do cérebro já que ela se liga inequivocamente à aprendizagem, à cognição e até à plasticidade neural fortalecendo as conexões neurais. De forma bastante resumida, diremos que quando relembramos repetidamente o que já aprendemos as sinapses (ligações entre os neurónios) fortalecem-se. Por outro lado, a memória permite-nos mobilizar conhecimentos, articular informação, estabelecer relações, melhorando o raciocínio e a capacidade de encontrar soluções desenvolvendo em simultâneo a criatividade.
Em 2000, a recentemente falecida neurocientista cognitiva Eleanor Maguire publicou um estudo que a tornaria famosa mundialmente e que mostrou que uma região do cérebro chamada hipocampo posterior era maior em motoristas de táxi de Londres que haviam adquirido o “Knowledge” – um mapa mental da capital britânica completo com ruas, rotas e pontos de referência – do que em pessoas que não possuíam essas capacidades de orientação espacial. Concluiu ainda que quanto mais longa era a carreira do taxista, maior se tornava o hipocampo posterior o que revelava o quanto o cérebro podia ser flexível. A investigadora demonstrou também que o hipocampo também desempenha um papel fulcral na exploração de cenários hipotéticos e na imaginação, tão importante na resolução de problemas complexos e na produção artística e literária.
“Eleanor demonstrou que a memória é o bloco de construção da imaginação através da sua surpreendente descoberta de que pessoas amnésicas devido a danos no hipocampo, não conseguiam construir novas experiências imaginadas na sua mente”, salientou um seu ex-colega, Geraint Rees.
Ou seja, o conhecimento pode mesmo expandir o cérebro ou, mais precisamente, uma estrutura do cérebro — o hipocampo, responsável, por exemplo, pela criação de memórias. No fundo, o saber ocupa realmente lugar ao contrário da frase tantas vezes repetida uma espécie de mantra que tem tido o objectivo, curiosamente, de incentivar a aprendizagem constante. Não há aprendizagem sem memorização. E apresentar como argumento válido a não ocupação de lugar, além de se perceber que não corresponde à realidade, aparenta ser um contrassenso filosófico porque os lugares devem mesmo ser ocupados, mas criteriosamente ocupados porque do vazio nada resulta.
As escolas precisam, pois, de mudar o modo como entendem os processos de ensino aprendizagem numa perspectiva de se encontrar um equilíbrio que não sobrevalorize nem subestime a memorização.
Paula Timóteo