O fotógrafo David Bailey descreveu, que uma fotografia de moda era simplesmente como “um retrato de alguém usando um vestido”. As raízes da profissão encontram-se no retrato da sociedade victoriana. Já na década de 1840, debutantes, actrizes e bailarinas posavam na sua elegância para fotógrafos de retratos, tal como as suas mães tinham posado para os grandes pintores de retratos da época.
No entanto, o próprio trabalho de Bailey mostra o poder transformador da lente da máquina fotográfica. Irving Penn, o fotógrafo com o mais longo mandato na história da revista Vogue, via o seu próprio papel como “vender sonhos, não roupas”. Para além do simples registo do tecido e dos detalhes da superfície, as imagens mais memoráveis satisfazem ou desafiam os desejos e aspirações do espectador.
Através da Colecção de Fotografia de Moda do Victoria&Albert Museum em Londres, pudemos apresentar o tema deste artigo: “100 Anos da Fotografia de Moda.”
A fotografia de moda nunca existiu num vácuo. Os fotógrafos têm continuamente ultrapassado os limites, e a tensão entre as exigências artísticas e comerciais tem gerado grande criatividade e inovação técnica. Quer se trate de sessões fotográficas de moda ou de anúncios publicitários, estas imagens reflectem a cultura contemporânea, os acontecimentos mundiais e as mudanças dramáticas nos papéis das mulheres ao longo do século XX.
Um novo século brilhante
Em 1911, no auge da era dourada de prosperidade e elegância da Europa, o fotógrafo americano Edward Steichen fotografou modelos com vestidos do costureiro Paul Poiret. Treze imagens com focagem suave foram publicadas na revista Art et Décoration, e Steichen proclamou-as mais tarde como “as primeiras fotografias de moda alguma vez foram feitas”.
Numa época anterior, pré-fotografia, a revistas de moda como “Le Costume Français” e “Journal des Dames et des Modes” incluíam ilustrações gravadas, mas tinham um público leitor limitado. Os avanços nos processos de impressão na década de 1890 permitiram que as fotografias fossem impressas na mesma página que o texto, e as revistas de moda tornaram-se mais amplamente disponíveis.
Em 1909, o editor Condé Nast comprou uma revista social americana intitulada Vogue. Transformou-a numa publicação de moda de alto nível com aspirações internacionais. Rapidamente seguida pelo relançamento da Harper’s Bazaar, a Vogue procurou captar o espírito e a moda de Nova Iorque, Londres e Paris através de fotografias inovadoras e de um crescente número de modelos glamorosas.
Desafiar as percepções
O movimento cultural do Surrealismo teve um impacto profundo nas revistas de moda dos anos 20 e 30. Pinturas de Salvador Dalí e Giorgio de Chirico apareceram na Vogue juntamente com fotografias vanguardistas de Man Ray. Alguns fotógrafos de moda adoptaram os seus princípios revolucionários, tentando dar expressão visual à mente inconsciente. Novas técnicas e justaposições inesperadas foram utilizadas para desafiar as percepções da realidade, para divertir e perturbar.
Estas experiências ousadas irritaram a editora da Vogue, Edna Woolman Chase, que escreveu com raiva à sua equipa em 1938:
“Concentrem-se completamente em mostrar o vestido, iluminem-no para esse fim e se isso não puder ser feito com arte, então que se trame a arte. Mostrem o vestido”.
Edna Woolman, 1938
Como fotógrafo principal da Vogue francesa e, mais tarde, da Harper’s Bazaar, o Barão George Hoyningen-Huene inspirou uma geração. O seu próprio trabalho reflectia um fascínio pictórico pela luz, sombra e formas clássicas. O seu protegido Horst P. Horst produziu imagens igualmente criativas, fundindo motivos surreais e clássicos.
Renascimento pós-guerra
Durante a Segunda Guerra Mundial, a abordagem predominante na moda era “fazer e remendar”. À medida que o mundo recuperava gradualmente dos horrores da guerra, surgiu um novo grupo de designers. O desejo de abraçar o glamour e a feminilidade após anos de austeridade em tempo de guerra encontrou a sua expressão mais extrema no New Look de Christian Dior, lançado em 1947, com as suas cinturas apertadas e saias extravagantemente cheias.
A visão elegantemente sensual da fotógrafa, surgiu com Lillian Bassman, que complementou a nova moda. Ela foi pioneira numa abordagem em que a evocação de um estado de espírito tinha precedência sobre a representação dos pormenores das roupas. As imagens granuladas de Bassman frustraram a editora da Harper’s Bazaar, Carmel Snow, que a avisou em 1949:
“Não estás aqui para fazer arte, estás aqui para mostrar os botões e os laços”.
Carmel Snow, 1949
Erwin Blumenfeld também ultrapassou os limites da fotografia de moda experimental. Preferia a película a cores Kodachrome, que permitia que as suas imagens vívidas saltassem da página da revista.
Fotografar na cidade
Nos anos 50, um novo dinamismo contagiou as principais revistas de moda, com os fotógrafos a adoptarem uma abordagem mais espontânea e fotojornalística. Os modelos espalharam-se pelas ruas da cidade e os cenários de estúdio foram substituídos por horizontes urbanos.
Em 1957, Richard Avedon fotografou uma modelo a passear na Place François-Premier, em Paris, para a Harper’s Bazaar americana. Ela aparece a meio do passo, com o seu casaco Cardin a esvoaçar atrás de si. Ambos os pés estão fora do chão, como se uma rajada de vento a tivesse levantado no ar. Avedon intitulou a fotografia “In Homage to Munkácsi”, uma referência a um dos primeiros fotógrafos de moda a trabalhar principalmente fora do estúdio. Num artigo de 1935, intitulado “Think While You Shoot”, onde Martin Munkácsi aconselhava o seguinte:“Nunca coloque os seus temas em pose. Deixe-os moverem-se naturalmente. Todas as grandes fotografias actuais são instantâneos”. Martin Munkácsi, 1935.
Esta nova visão cinematográfica foi vigorosamente promovida pelos poderosos directores artísticos Alexey Brodovitch na Harper’s Bazaar e Alexander Liberman na Vogue.
Libertação nos anos sessenta
Na década de 1960, o movimento feminista ganhou ritmo com a campanha das mulheres contra a desigualdade. No mundo da moda, a formalidade estruturada dos modelos dos anos 50 deu lugar a um visual mais jovem e o corpo libertou-se das roupas interiores apertadas e dos espartilhos. Surgiram novos designers e fotógrafos, cujo trabalho foi apresentado em revistas como a Queen (relançada em 1957) e a Nova (lançada em 1965).
O fotógrafo David Bailey foi contratado para renovar a secção “Young Idea” da British Vogue. A sua abordagem documental vivaz, assim como a de outros fotógrafos londrinos, transformou modelos adolescentes como Jean Shrimpton e Twiggy em estrelas internacionais, a personificação da Londres vibrante. O ambiente foi captado no filme Blowup (1966) de Michelangelo Antonioni, no qual David Hemmings protagonizou uma personagem parcialmente baseada em Bailey.
A partir de 1966, os tecidos exóticos, os padrões e as cores contraditórias foram combinados de forma ousada. A aparência pouco convencional de Penelope Tree fez dela o modelo ideal para a moda hippie popular na última parte da década.
Retratar a feminilidade
Na década de 1970, os fotógrafos testaram cada vez mais os limites das imagens de moda aceitáveis. Envolveram-se com a mudança de atitudes da sociedade em relação à feminilidade e à sexualidade, e os temas potencialmente controversos da religião e da violência influenciaram frequentemente o seu trabalho.
Estas imagens de moda convidavam os espectadores a serem “voyeurs” de cenas altamente carregadas. O trabalho de Helmut Newton reuniu temas de ambiguidade emocional e sexo, capturando mulheres confiantes em cenários glamorosos e artificiais. Guy Bourdin e Gian Paolo Barbieri criaram imagens sombriamente provocadoras, que se centravam menos no vestuário e mais no carácter da mulher por baixo dele.
A noção de beleza ideal alargou-se nas revistas de referência com a utilização mais regular de modelos negras e andróginas. As fotógrafas Deborah Turbeville e Sarah Moon eram ambas antigas modelos e o seu envolvimento com a forma feminina era distinto do dos seus homólogos masculinos. As suas imagens contemplativas proporcionaram perspectivas femininas sobre os temas da beleza e da objectificação sexual.
Capturar a vida real
Na década de 1980, surgiram novas publicações de estilo destinadas a ambos os sexos, como contraponto à perfeição das grandes revistas de luxo. Apresentavam artigos sobre música contemporânea, cultura e tendências emergentes. As suas páginas eram preenchidas com figuras que representavam tipos alternativos de beleza, que muitas vezes não eram modelos profissionais.
Os retratos de Steve Johnson de punks e jovens da Nova Vaga apareceram na revista i-D. As imagens ficaram conhecidas como “straight ups”, uma vez que mostravam a figura na sua totalidade. A abordagem suscitou muitos imitadores, interessados em captar a moda de rua pessoal e inovadora.
Na década de 1990, os principais expoentes desta abordagem naturalista e documental da fotografia de moda foram Corinne Day, David Sims, Craig McDean e Jason Evans. No centro do seu trabalho estava um interesse pela vida quotidiana e pelas pessoas reais, celebradas por todos os defeitos que as tornam individuais e singularmente belas.
Ficção e fantasia
As imagens de moda mais deslumbrantes da actualidade são ricas em narrativas coloridas e poéticas. São utilizados grandes orçamentos, designers de cenários e vários estilistas para criar fantasias elaboradas. O fotógrafo Miles Aldridge descreve o processo como semelhante à realização de um filme: “Se o mundo fosse suficientemente bonito, eu estaria sempre a filmar no local. Mas o mundo não está a ser concebido tendo a estética como prioridade. O que estou a tentar fazer é pegar em algo da vida real e reconstruí-lo de uma forma cinematográfica… emoção condensada, cor condensada, luz condensada”. Miles Aldridge.
Tal como os designers de moda reinventam e reciclam as tendências de décadas passadas, os fotógrafos procuram frequentemente inspiração nos seus antepassados. Tim Walker cria uma Inglaterra caprichosa e tecnicolor, inspirada na opulência dos primeiros trabalhos de Cecil Beaton e nos contos de fadas clássicos para crianças.
Durante o último século, a moda feminina dominou as revistas, mas nos últimos anos surgiram mais publicações destinadas aos leitores masculinos. O V&A está agora a recolher conscientemente imagens de moda masculina para reflectir esta área em crescimento.
Theresa Bêco de Lobo