Vieira Portuense I pintor da História e dos mitos

Nasceu e morreu no mês das rosas.

Nasceu e viveu num século marcado por duas revoluções que iriam mudar o rumo da História do ocidente: a independência dos EUA e a Revolução Francesa.

Nasceu, viveu e pintou numa época imbuída do espírito iluminista.

Francisco Vieira, que escolheu o nome artístico Vieira Portuense, nasceu no Porto, a 13 de Maio de 1765 e morreu prematuramente a 2 de Maio de 1805 no Funchal para onde fora na esperança de se curar da tuberculose. Foi um dos principais introdutores do neoclassicismo na pintura portuguesa e com ele a pintura histórica ganhou notoriedade e estatuto.

Francisco Vieira Portuense fez a sua iniciação na pintura com o pai, pintor paisagístico por paixão, para depois dar seguimento à sua formação na Aula Régia de Desenho e Figura do Porto. Corria o ano de 1789 quando Vieira Portuense viaja para Itália, com o apoio da rainha D. Maria I. Em Roma tem contacto com o grande mestre neoclássico Anton Raphael Mengs, cujas obras influenciaram o seu estilo, e com Domenico Corvi (1721-1803) de quem foi discípulo. Durante este período o seu mérito não passa despercebido e obtém o 1.º prémio de Desenho num concurso da Academia do Nu do Capitólio. As experiências fora de portas lusas não se confinaram a Roma já que o pintor viajaria ainda por outras cidades italianas, significativas do ponto de vista cultural e artístico, além de ter conhecido Viena e Londres. Contrariando a tendência da época, Vieira Portuenses procurará um caminho de aprendizagem e conhecimento próprio e opta por Londres para consolidar a formação e encontrar a sua “voz” artística. Parte para a capital londrina a seguir ao périplo italiano e a Viena e será aí, onde o gosto neoclássico se aromatiza com os condimentos britânicos, que Vieira Portuense encontra a sua identidade como artista, a sua grafia pictórica.

Convém lembrar que o movimento neoclássico surge em Portugal no último quartel do século XVIII influenciado pelo que então se fazia na época numa Europa diversa e o nome do movimento deriva exactamente de uma nova revisitação dos clássicos encarados como modelos inspiradores. A Europa cansara-se do barroco e buscava agora um discurso estético mais sóbrio e racional. 

Em Portugal, o neoclassicismo irá ter o seu amadurecimento num período especialmente conturbado já que foi marcado pelas invasões napoleónicas (1807-1811); a partida para o Brasil da corte portuguesa (1807); a revolução liberal e a instabilidade subsequente, incluindo a guerra civil de 1832-1834. Aliás, toda a 1ª metade do século sofreu abalos e o país só reencontraria, em certa medida, alguma estabilidade com a Regeneração iniciada em 1851. Mas se a fase “adulta” do movimento acompanhou uma época marcada pela instabilidade e tumulto, o seu nascimento havia coincidido com uma fase propícia a novos entendimentos estéticos. Após o terramoto de 1755, surgira a necessidade de reconstruir a capital e de uma forma pragmática, rápida e consentânea com as necessidades da época e futuras. Desta forma, abriu-se espaço para abordagens arquitectónicas mais racionais o que acabará por produzir efeitos nas outras áreas artísticas, incluindo a pintura, apesar das suas maiores expressões se encontrarem na arquitectura.

Domingos Sequeira (1768-1837), António Manuel da Fonseca (1796-1890) e Machado de Castro (1731-1822) foram alguns nomes que se afirmaram na pintura a par de Vieira Portuense, mas será este último que irá ser capaz de elevar a pintura histórica a um estatuto nobre em Portugal. A ele se ficam a dever séries de temática histórica dos grandes mitos nacionais, entre os quais os pequenos quadros que dedicou a Os Lusíadas com destaque para o episódio da Ilha dos Amores.

Vasco da Gama na ilha dos Amores

A sua obra irá espelhar as influências recebidas, especialmente em Londres, e será marcada por um equilíbrio e rigor no desenho e anatomia das figuras representadas. A temática histórica e mitológica terá protagonismo o que se enquadra bem no espírito da estética neoclássica e o quadro A Súplica de Inês de Castro, uma pintura a óleo sobre tela, de 1802, com dimensões consideráveis e que retrata um dos episódios mais dramáticos e historicamente mediáticos, é um bom exemplo deste caminho temático. Nesta obra podemos ainda reconhecer um dos traços distintivos de Vieira ao apresentar os protagonistas numa postura com forte carga dramática construída numa gramática gestual expressiva o que diferencia o pintor de alguns neoclássicos mais rígidos.

Súplica de Inês de Castro, 1802

Dentro da temática histórica, reconhecemos ainda como uma das obras mais significativas D. Filipa de Vilhena Armando Seus Filhos Cavaleiros (1801) pintura que já nos revela, de acordo com o historiadorPaulo Pereira “(…)a penetração dos ideários do primeiro romantismo”.

Dona Filipa de Vilhena armando os filhos cavaleiros

Nesta pintura, reconhece-se a aposta numa expressão estética plena de dinamismo própria de uma encenação teatral enquadrada num ambiente arquitectónico clássico com apontamento paisagístico.

Mas além dos episódios históricos lusos, a Antiguidade Clássica, a mitologia greco-romana e episódios em ambientes naturais serão igualmente fontes de inspiração relevantes e onde, apesar do estilo neoclássico adoptado, por vezes somos surpreendidos por uma paleta cromática rica e efeitos de luz que demonstram influência do Barroco tardio.

Leda e o Cisne, 1798

Com Vieira Portuense somos sempre despertados para a intensidade da sua pintura seja nas temáticas históricas ou mitológicas seja nos quadros que envolvem um enquadramento quase perturbador mostrando uma Natureza exuberante, poderosa e avassaladora como em A fuga de Margarida (1798 MNAA) onde o momento da acção “contrasta com o fundo ameaçador, a árvore torturada e os rochedos escuros que ladeiam e conferem uma escala diminuta à personagens” como bem descreve Paulo Pereira.

Fuga de Margarida de Anjou

Vieira Portuense influenciou a geração seguinte de pintores mesmo tendo, infelizmente, morrido prematuramente, aos 40 anos. Uma morte que nos provoca um sentimento de vazio por tudo o que ficou por realizar, mas o legado deixado permite-nos saber que Vieira Portuense foi um dos maiores nomes da pintura neoclássica e não apenas ao nível do que se fez em Portugal.

Paula Timóteo

Paula Timóteo

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