Tecnologia, um mal necessário?
Num tempo em que a tecnologia entra na semântica da vida quase como o ar que respiramos, importa lembrar que ela não é uma característica da modernidade já que tem acompanhado a História da Humanidade, exactamente desde o tempo das comunidades caçadoras-recolectoras, há mais de 2 milhões de anos, quando o Homo habilis conseguiu fabricar ferramentas que o ajudavam a alcançar os seus objectivos. Considera-se que foi exactamente na faceta habilidosa do Homem que este se começou a distinguir dos restantes animais.
A palavra Tecnologia resulta do grego “τέχνη” cuja tradução é “técnica, arte, ofício” e “-λογία” que significa”estudo” e corresponde ao conjunto de processos e habilidades usados na produção de bens e serviços com vista à realização de objectivos. O domínio do fogo, há cerca de 1 milhão de anos, incrementou a socialização, desenvolveu a linguagem e iluminou as noites expandindo, dessa forma, o tempo diário de actividade humana. A roda optimizou a deslocação e milhares de anos depois a imprensa permitiu uma maior democratização do conhecimento disseminando-o. Poucos séculos após esta invenção extraordinária, a máquina a vapor surgia para inaugurar uma das revoluções de maior impacto. Um impacto nem sempre benévolo já que se iniciou aí o processo de destruição do planeta. Hoje, vive-se já o pós-revolução digital desde que a partir dos anos 50 do século passado surgiram os computadores e começou a expansão das telecomunicações. Vivemos pois a considerada 4ª Revolução (considerando-se que a Revolução industrial terá sido a 2ª precedida pela agrícola quando o homem se tornou um sócio activo da natureza e começou a praticar a agricultura). Nesta fase, a internet introduziu-se como uma extensão do homem, permitindo um acesso rápido à informação, perdendo-se muitas vezes a capacidade de filtragem crítica. É o tempo da inteligência artificial que muitas vezes encontramos também em humanos pouco dados a produzir pensamento próprio.
A evolução do mundo digital, que a actualidade tem permitido, oferece um excelente apoio para o trabalho intelectual, mas tem um efeito no comportamento mental que importa entender para que se possam criar estratégias de regulação e monitorização. Para alguns estudiosos do ramo da neurologia, o excesso de aparelhos e informações pode inclusive prejudicar o raciocínio humano bem como causar problemas nas relações sociais.
Por exemplo, crianças que passem mais de quatro horas frente a um écran, telemóvel, tablet ou televisão, correrão mais riscos de desenvolver, no futuro, problemas como depressão, ansiedade e fraca autoestima. Aliás, nas escolas, laboratório educativo por excelência, são cada vez mais os casos sinalizados de possíveis transtornos mentais associados ao uso abusivo do digital, incluindo o acesso a redes sociais e participação em jogos violentos
Elencamos alguns destes transtornos que estão perfeitamente identificados:
- Nomophobia: ansiedade por não estar conectado a um dispositivo móvel
- Depressão de Facebook: causada tanto pelas interações ou falta delas na rede social.
- Transtorno de Dependência da Internet: compulsão pelo uso excessivo e irracional da rede.
- Efeito Google: compulsão em buscar toda a no sistema de busca, causando uma menor retenção de informação e produção mental.
- Redução da atenção: problemas físicos como obesidade, perda de identidade, baixa autoestima, falta de empatia e depressão.
O mundo muda muito e em pouco tempo. Se pensarmos que 95% do tempo de vida da Humanidade decorreu enquanto o Homem se manteve recolector, talvez se torne mais simples de perceber o quanto a vida tem mudado vertiginosamente. Leon Trotsky observou que “vinte e cinco anos, à escala da História, em questões de transformação profunda em estruturas económicas e culturais pesam menos do que uma hora na vida de um homem”.
A urgência de uma preparação para que os educadores, família e escola, possam lidar com os novos desafios assegurando que a evolução da inteligência humana não fique comprometida com o desenvolvimento da robótica, tem levado a decisões precipitadas e pouco sustentadas. Nas famílias a permissividade quanto ao uso do telemóvel como ramificação de cada indivíduo seja ele criança ou adolescente, está a objetivamente a condicionar o seu crescimento intelectual e emocional. Por outro lado, o primado muito acarinhado pela Escola e sociedade em geral de que aos pais competem todas as decisões tornando muito difícil uma actuação escolar mais assertiva, está errado. Os filhos não são propriedade de ninguém e há fronteiras que não podem ser encaradas intransponíveis. A Escola tem assumido uma posição demasiado defensiva, diplomática, permissiva muito na óptica de que condicionar/proibir o acesso e uso de equipamentos é uma acção pouco pedagógica. Sejamos claros, o problema não é da tecnologia, mas reside na forma como a utilizamos. E é muito preocupante ver pelos corredores das escolas alunos de pescoço curvo digitando freneticamente nos écrans dos telemóveis e até fazendo isso dentro das bibliotecas que muitas vezes mais parecem salões de jogos, enquanto os livros amarelecem nas estantes.
Ler, reviver memórias, exercitar o cérebro, aprender artes, idiomas, estudar, conversar mais, fazer exercícios físicos, dormir bem e alimentar-se. São receitas simples para viver melhor e melhor crescer.
Definitivamente, a Escola precisa de ser menos cobarde e as famílias menos reféns das crianças.
Paula Timóteo